O VALOR DA PALAVRA – 19 de Janeiro de 2014

1. Durante séculos, os católicos não tiveram uma relação muito próxima com a Palavra de Deus. A sua espiritualidade assentava mais em práticas simples, como a oração da manhã e da noite, a oração às refeições, a devoção mariana com a reza do terço, a intercessão dos santos e algumas festas populares com o culto religioso misturado com arraiais. Também se assumia a ida à missa dominical como uma obrigação, e o recurso aos sacramentos que tinham uma certa expressão social. Foi assim com o Baptismo, a 1ª Comunhão, o Crisma e o casamento católico. Era uma espiritualidade assente nas tradições, sem grande profundidade e exigência, onde não cabia a atenção à Palavra de Deus. Recorda-se que até a leitura da Palavra era em latim, pelo que pouquíssimos tinham a possibilidade de a “escutar”.

2. A Palavra de Deus está, porém, no centro de toda a vida cristã. Não é preciso ser grande teólogo para entender que é na leitura da Sagrada Escritura que se entende todo o caminho de salvação. Não basta desejar conhecer o Novo Testamento, isto é, a vida de Jesus e os primeiros passos da Igreja. Também o Antigo Testamento faz compreender o mistério de Deus Criador, a atitude dos homens que recusaram o projecto de Deus, a promessa da Redenção e o anúncio de que o Reino de Deus está próximo. A salvação foi prometida por Deus, através de muitos mediadores, até que o Filho de Deus encarnou e se fez homem, para a todos chamar a ser filhos do mesmo Pai-Deus. Todo este processo de salvação se reconhece em contacto com a Palavra. Olhando apenas para o Novo Testamento, rapidamente se compreende que a Sagrada Escritura nos oferece a Palavra Viva que é Jesus Cristo.

• No princípio era o Verbo (Jo 1, 1). Numa tradução feliz, pode dizer-se: “No princípio de tudo, aquele que é a Palavra já existia. Tudo foi feito por Ele e sem Ele nada existia” (Jo 1, 1-2).

• E o Verbo veio encarnar (Jo 1, 1-18). “Aquele que é a Palavra fez-se homem e veio morar no meio de nós”.

• Jesus entrava nas sinagogas para ler a Palavra. A sua missão levava Jesus a proclamar a Palavra em todo o lugar, ensinando, e confirmando a sua missão com inúmeras curas.

• Jesus é a Palavra Viva. “Tendo outrora falado aos nossos pais pelos profetas, nestes dias que são últimos, fala-nos por seu Filho, Palavra que dá vida” (Heb 1, 1-2).

• É em Jesus – Palavra que se fundamenta toda a oração do crente. “A Deus falamos quando rezamos e a Deus escutamos quando lemos a sua Palavra” (DV 25). É Jesus a Palavra que nos fala constantemente, através do Evangelho, dos Actos e das Cartas dos Apóstolos.

Não pode ser-se cristão sem o conhecimento suficiente da Palavra de Deus, uma vez que é a palavra escrita sob a acção do Espírito Santo que nos revela a pessoa de Jesus.

3. A Lumen Fidei, encíclica dos dois Papas, Bento e Francisco, tem um capítulo em que nos fala da Palavra como elemento essencial no caminho da Fé. No título diz-se “Acreditámos no Amor” mas depois refere-se que só a Palavra de Deus nos ensina a amar. A Palavra de Deus é o caminho no Amor. Desde a primeira afirmação de fé, enquanto adesão à pessoa de Cristo, até à fé vivida na comunidade, tudo resulta da fidelidade à Palavra de Deus, que mora no coração de cada um.

• Palavra que dá vida – a fé de Abraão radica-se na chamada de Deus, o Deus único, que lhe faz uma promessa, a de que terá um grande povo. Em tudo Deus se revela o Senhor da vida. Abraão já está envelhecido, Sara era considerada estéril, mas Deus deu-lhes um filho, Isaac, que também foi salvo da morte. O mistério de Abraão, de Isaac e de Jacob está sempre ao serviço da vida: de Deus receberam a vida e com Deus lutarão sempre pela vida.

 • Palavra que liberta – a fé de Israel. Deus disse a Moisés: vi a opressão do meu Povo e decidi libertá-lo – Vai e fala ao faraó, fala às tribos de Israel, reúne-as e liberta os israelitas da escravidão.

 • Palavra que exige e realiza – a fé é a plenitude da vida: a fé vive-se no amor, o mandamento novo. A maior prova de amor é dar a vida, assim o fez Jesus, aceitando a morte e vencendo-a com a Ressurreição.

 • Palavra que salva – a salvação pela fé. A adesão incondicional à pessoa de Jesus é apenas o princípio do caminho da salvação. Depois é preciso deixar-se apanhar completamente por Cristo, Palavra Viva: “meus irmãos e minha mãe são aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática.

• Palavra que congrega – a forma eclesial da fé. O Senhor disse aos apóstolos: ide por todo o mundo e fazei discípulos em todas as nações.

Fazer discípulos é criar comunidade. Esta adesão à fé, pela Palavra, é sempre comunitária. Mas não se pode ter fé sem viver em Igreja.
Estes passos do capítulo 1º da Lumen Fidei centram a nossa fé na Palavra de Deus, Palavra que se escuta e depois se vive em todas as circunstâncias.

 4. Os cristãos têm de aprender a lidar com a Palavra de Deus, integrá-la na totalidade da sua vida cristã. A Palavra tem de ser conhecida, deve ser rezada, pode ser proclamada, ser vivida e até transmitida.

 • Conhecer a Palavra – exige o estudo da Sagrada Escritura, tendo em conta sobretudo o Novo Testamento com os Evangelhos, os Actos, e as Cartas dos Apóstolos, saber distinguir o histórico do catequético. Os Evangelhos são sempre catequeses maravilhosas.

 • Orar com a Palavra – é uma proposta muito clara do Concílio Vaticano II, que diz: a Deus falamos quando rezamos, mas a Deus escutamos quando lemos a Palavra.

 • Proclamar a Palavra – é um desafio litúrgico, uma vez que a mensagem tem de chegar a todos os membros da comunidade e só na proclamação o consegue. A liturgia é ela própria Palavra viva de Deus.

 • Viver segundo a Palavra – é um problema de coerência de vida. O cristão que escuta a Palavra de Deus não pode deixar de a pôr em prática. Perante os outros, pela sua vida, testemunha que a Palavra é verdadeira.

 • Transmitir a Palavra – é o normal caminho da evangelização. Cada cristão deve ser Apóstolo, mas não basta dar testemunho pelo exemplo de vida, deve também comunicar a fé, transmitindo a Palavra Viva que recebeu.
A vida cristã está marcada pela presença de Cristo, a Palavra de Deus. Como é possível deixá-la passar, sem produzir frutos, sem ser fonte de salvação?

 5. Durante o tempo comum, que agora começou e até ao princípio da Quaresma, devemos aprofundar a nossa fé pela leitura frequente da Palavra de Deus. Que seja Ela o motor da nossa oração e, sobretudo, do nosso viver.

 

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