1. Foi quase com naturalidade que os noticiários dos últimos dias abriram, com a decisão do parlamento belga em aprovar a eutanásia a exercer sobre crianças que tivessem grandes deficiências e se se considerar estarem num grande sofrimento. Convidaram-se inúmeros professores de medicina, de psicologia, de sociologia e até de ética, para comentar tal acontecimento. A partir desta decisão parlamentar, na Bélgica, pais com filhos em grande sofrimento podem pedir para eles a morte. É muito estranha a lei que permite eliminar seres humanos portadores de deficiências e, ainda por cima, sendo crianças. Os pais que são geradores da vida dos seus filhos podem, tempos depois, eliminá-los porque se tornaram incómodos, causa de muitos trabalhos e incalculáveis despesas. Este caso é o último exemplo da civilização da morte. A sociedade actual parece não ter o mínimo respeito pela vida humana.
• Nos anos 30 do século passado, repetiram-se holocaustos, com a eliminação de judeus, só porque eram diferentes.
• Em investigações científicas chegaram a usar-se corpos de pessoas deficientes na perspectiva de fazer avançar a ciência, para a cura de algumas doenças.
• Também eliminaram pessoas mais velhas porque tinham perdido a saúde e eram agora um peso económico e social para o estado.
• Nos finais do século XX começa a generalizar-se a prática da “interrupção voluntária da gravidez”, nome eufemístico dado ao aborto. Fizeram-se inúmeros referendos e leis para o tornar aceite.
• Na viragem do milénio, desenvolveram-se processos de legalização da eutanásia, com experiências várias, que receberam um nome estranho de “suicídio medicamente assistido”.
• Há mesmo quem consiga “encapotar” a eutanásia com a expressão “decisão antecipada da vontade” ou testamento vital.
Numa cultura da morte, assim assumida, não é de estranhar que a morte tenha o primeiro lugar, diariamente, nos telejornais. Já não são só as guerras ou os fenómenos naturais que trazem notícias de morte para a comunidade humana. É a vontade dos parlamentos e dos governos que, sem valores de referência, legalizam a morte a qualquer preço.
2. Os cristãos têm o dever de servir a vida, contrariando a todo o custo os falsos sinais de modernidade com que algumas ideologias levam a desprezar a vida humana. Não é um problema religioso que está em questão: é um problema ético, profundamente humano, porque defende a vida “desde a concepção até à morte natural”, promove a vida num desenvolvimento sustentável. Servir a vida com o maior número de iniciativas, amar a vida sempre.
• O início da vida é mais do que um milagre da natureza, é maravilhoso amor de Deus. A união de dois gametas de 23 cromossomas cada um dá origem, nove meses depois, a uma criança com uma organização biológica extraordinária e, simultaneamente, com uma capacidade de inteligência e de vontade a desenvolver.
• Ao longo da vida redobram-se os cuidados na educação para a saúde, no crescimento e desenvolvimento do corpo e do espírito, na criação dos projectos que assim dão sentido à vida, na orientação dos afectos e na concretização dos sonhos, inclusivamente na aprendizagem da relação com Deus. É a vida no seu todo que importa acompanhar e promover.
• No tempo do envelhecimento é preciso compreender e aceitar as renúncias, os medos, as perdas e tanta outra coisa que surpreende as pessoas na idade avançada. Mas, envelhecer também pode ser uma arte, que leva a aproveitar as recordações, as experiências e os momentos já vividos.
• Na proximidade do fim há a certeza de que a vida não acaba, apenas se transforma. Então, todos os dias são tempo de preparação para o grande encontro com Deus, depois de avaliar, em síntese, a vida, tudo o que de bom ou menos bom foi feito. E, quando a morte chegar, está-se preparado para a vida verdadeira que se foi construindo através dos anos.
Em todas as idades é fundamental servir a vida, dando-lhe o máximo de qualidade e aceitando os normais limites que estão ligados ao ser humano.
3. Os cristãos são por natureza os apóstolos da vida, pode dizer-se os facilitadores da vida. Devem ajudar todas as pessoas a terem uma vida mais feliz. Na sua complexidade, a vida pode ser sempre melhor. A vida é um composto de elementos, tendo em conta o físico, o psicológico, o social, o cultural, o espiritual e até o religioso. É por isso necessário garantir o apoio global a todos estes aspectos da vida humana quando se serve a vida.
• Não basta cuidar fisicamente das pessoas, garantir-lhe a saúde, a sustentação, o trabalho. É preciso muito mais.
• É insuficiente proporcionar conhecimentos e relações sociais. Com grupos de intervenção, a pessoa sente-se inserida na sociedade, está em actividade permanente e que lhe proporciona a consciência de fazer parte de uma autêntica comunidade humana.
• Mas é necessário também valorizar a vida de cada um nos aspectos espirituais e até de natureza religiosa. Só o homem que toca o transcendente consegue ser feliz e fazer os outros felizes.
Quando se serve a vida é a vida global que está em questão. É por isso que, para lá de todas as outras componentes a dimensão da fé e mesmo da vida religiosa é campo indispensável a desenvolver para a realização integral da pessoa humana em verdadeira felicidade.
4. Aqui, na Comunidade Paroquial, tem-se o dever de promover a vida na sua totalidade. No campo da assistência a pessoas com dificuldades, parece que chega garantir-lhes “a cama, a mesa e a roupa lavada”. Mas não é assim. Aos que nos procuram para crescer na fé, queremos proporcionar um tempo forte de catequese e de oração. A catequese verdadeira é sempre iniciação ou reiniciação à vida cristã.
• Às crianças do Centro Social e até da catequese, é fundamental o desenvolvimento integral da pessoa humana, sem esquecer a dimensão espiritual e religiosa.
• Aos jovens dos grupos ou do Clube de Jovens, para além dos tempos de lazer e de trabalhos de reflexão, a atenção completa exige a formação integral da pessoa humana.
• Aos mais velhos do Centro de Dia ou das missas e das liturgias, a resposta completa a todos os seus anseios é um desafio permanente.
Servir a vida é proporcionar a qualidade integral à vida de quantos nos rodeiam. Esta qualidade tem para lá da dimensão material e de estatuto, a obrigação de desenvolver relações interpessoais, espirituais e mesmo sobrenaturais (EV 23). O grande desafio é este: que todos sejam servidores da vida e da vida com qualidade.
Pe. Vítor Feytor Pinto Prior