1. Antes de se iniciar a Quaresma que é tempo de oração e penitência como preparação para a Páscoa, a Igreja reconhece a importância de cultivar a alegria. Vão viver-se 40 dias de grande rigor, em ordem à conversão e, por isso, compreendem-se alguns dias de distensão, propícios à alegria expressa das mais diversas maneiras. A estes dias, desde a Idade Média, passou a chamar-se “Carnaval”. Com origem latina, esta palavra quer dizer que se prepara o “adeus à carne” (carne vale), um tempo de grande frugalidade, nas refeições e em toda a vida. Escolheram-se, então, estes dias para “brincar”, testemunhando assim a boa disposição que é nota dos cristãos.
• As crianças vestem-se com trajes de figuras conhecidas, personagens das histórias infantis, bonecos da Disney, heróis de inúmeras aventuras.
• Os jovens pregam partidas uns aos outros, procurando destacar as situações ridículas que envergonham uns e fazem corar outros, aumentando o cómico das atitudes.
• Os adultos preparam anedotas e histórias engraçadas como forma de diversão. Organizam festas a partir de um slogan, onde interpretam com máscaras acontecimentos vários da vida política e social. É a alegria geral.
Este é um tempo de festa com formas de alegria que não podem magoar ninguém. Ridicularizar uma ou outra atitude faz lembrar o dito popular: “No Carnaval ninguém leva a mal”.
2. Neste tempo pode perguntar-se o que é a verdadeira alegria. Se para uns a alegria se manifesta na gargalhada, se para outros a alegria se resume no contar anedotas esquisitas, se para terceiros a alegria se concretiza numa festa barulhenta com música em altos decibéis, todos aceitam, porém, que não está em nada disto uma alegria autêntica.
• A alegria não vem de fora, não está nos presentes que se recebem, nem nas palavras de elogio que se dizem ou nas acções agradáveis que se fazem.
• A alegria nasce no coração humano, nos sentimentos que se têm ao servir os outros, na entrega de pequenos gestos que torna os outros felizes, com a certeza de que há mais alegria em dar do que em receber.
• A alegria verdadeira é, porém, um dom de Deus, um fruto do Espírito Santo que liberta o coração. De facto, a liberdade é agente de alegria, sendo a liberdade do Espírito que gera o amor, a paz, a bondade, a ternura, a realização de cada um.
O desejo que é feito aos cristãos, antes de começar o caminho quaresmal, está em descobrir o rosto da verdadeira alegria e, logo depois, ensaiar formas de alegria que contenham a marca de Cristo Jesus.
3. Um dia, Jesus encontrou um jovem que lhe disse querer segui-l’O. Jesus pediu-lhe para cumprir os mandamentos, uma vez que isso era suficiente para ganhar a vida verdadeira. O jovem respondeu-lhe que isso fazia ele desde sempre. Foi então que Jesus lhe deu a “senha” da verdadeira alegria. Então, “vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e vem depois (Mt 19, 21). O jovem, porém, porque tinha muitas coisas, foi-se embora triste. De facto, a liberdade interior, porque é total, torna sempre alguém feliz. Foi por isso que Jesus, em outro momento, subiu à montanha com os seus discípulos e lhes deu o código da alegria, o código da verdadeira felicidade. Jesus disse-lhes como era a alegria:
• Felizes os que têm um coração de pobre, isto é, os que com liberdade total vivem desprendidos das pessoas, das coisas e das situações.
• Felizes os que têm um coração simples e humilde, isto é, os que sabem vencer toda a soberba e arrogância, tornando-se disponíveis para todos.
• Felizes os que são capazes de perdoar enchendo-se de misericórdia, porque assim conseguem construir a reconciliação entre todos.
• Felizes os que são sinceros e verdadeiros, uma vez que só na verdade o coração fica tranquilo. A mentira faz corroer o coração das pessoas.
• Felizes os que constroem a paz, isto é, os que fazem a unidade com todas as pessoas, criando um ambiente de diálogo, de solidariedade e de felicidade.
As Bem-Aventuranças são difíceis de viver porque trazem exigências que urge levar até ao fim. A felicidade pode construir-se, mas só com algum sacrifício, renunciando cada um a si próprio, gerando, depois, a comunhão e a unidade.
4. Como vai cada cristão da nossa comunidade paroquial celebrar o Carnaval? Como se vai viver este tempo de alegria? Para se ser diferente, a proposta é não centrar estes dias nos “corsos”, nem dar festas barulhentas, nem mesmo “pregar uma partida” que pode humilhar terceiros. Centremos a nossa alegria em fazer felizes os outros. Aí vão alguns desafios:
• Ir passar uma tarde com uma pessoa que esteja sozinha. Levar alguns bolos saborosos, fazer um chá quentinho e depois conversar, conversar muito.
• Telefonar a um amigo que já se não vê há muito. Soube-se que ele esteve doente, que perdeu um familiar, que teve um momento difícil ou vive uma crise económica – dizer-lhe que pode contar com a ajuda fraterna.
• Levar alguns chocolates a crianças que na vizinhança têm dificuldades. Uma guloseima é sempre motivo de alegria para os meninos que sofrem a pobreza dos pais.
• Levar um ramo de flores a um idoso que já está esquecido de todos e em quem ninguém repara, apesar de viver há muitos anos naquela casa e naquela rua.
Os pequenos gestos fazem felizes quem dá e quem recebe. Para além da alegria barulhenta que é inevitável neste tempo, a alegria discreta enche o coração e espalha um perfume diferente no tempo em que se vive.
5. Se se viver bem o tempo de Carnaval, de certeza que se entrará na Quarta-Feira de Cinzas com um novo entusiasmo para percorrer com generosidade o caminho quaresmal para a Páscoa. Que a alegria more em todos os corações.
Pe. Vítor Feytor Pinto Prior