O DESAFIO DA CONVERSÃO – 16 de Março de 2014

1. “Se és o Filho de Deus” (Mt 4, 3) é a grande interrogação que se põe o tentador ao interpelar Jesus. Depois de quarenta dias de jejum no deserto, se Jesus sentia fome, não poderia Ele transformar as pedras em pães? Se era Deus, não quereria dominar todos os povos do mundo? Se a sua referência era o Templo de Jerusalém, não poderia ser aclamado pela multidão, ao atirar-se do Pináculo do Templo? O tentador queria apenas ter a certeza de que aquele homem, aparentemente débil, era o Filho de Deus. As respostas de Jesus, não satisfazendo o tentador, constituem, de per si, para todos os homens, um convite à conversão.

• “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). A Palavra de Deus é a única fonte de conversão na vida. Por ela, deverá cada um deixar-se guiar, para ir ao encontro da felicidade total.

• “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Mt 4, 7) e não tentarás qualquer homem, acima das suas forças. A tentação pode sempre ser vencida e é, no projecto de Deus, que está a verdadeira felicidade.

• “Só a Deus adorarás, só a Ele hás-de servir” (Mt 4, 10). Recusa-se ao homem, definitivamente, adorar o dinheiro, ou o poder, ou o mais fácil. Só Deus é fonte da felicidade que realiza o ser humano.

Jesus vem dizê-lo expressamente, levando o tentador a compreender que Ele era, de facto, o Filho de Deus. Quando Jesus expulsar os demónios, libertando os que estão possuídos, ouvir-se-á sempre um grito: “Sabemos bem que és o Filho de Deus”. Os demónios foram os primeiros a fazer profissão de fé, embora sem a conversão, completamente impossível.

2. “Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha ternura” (Mt 17, 5). Jesus quis dar-se a conhecer aos discípulos mais íntimos. Levou Pedro, Tiago e João ao alto do Monte Tabor e transfigurou-se diante deles. Deixou por momentos de ser mais um profeta, que falava às multidões nas margens do Rio Jordão e do Lago de Tiberíades. Apareceu em todo o seu esplendor tendo a seu lado Moisés e Elias. Foi, então, que se ouviu a voz do Pai: “Este é o meu Filho”. Com esta transfiguração no Monte Tabor, Jesus revelava aos discípulos mais íntimos que era mesmo o Filho de Deus. Assim demonstrava que viera ao mundo para dar testemunho da verdade.

• Com Moisés, afirmava-se a importância da Lei que iria ser renovada por Jesus ao proclamar a Boa Nova do Evangelho.

• Com Elias, valorizava-se a contemplação, essencial à transformação das vidas. Com os profetas da esperança, as dificuldades seriam sempre vencidas.

• Com a voz do Pai, era dada aos discípulos a certeza de que Jesus vinha ao mundo para realizar a Redenção como Filho de Deus.

• Com o grito “escutai-O”, os discípulos eram convidados para o caminho de mudança que poderia transformar a humanidade inteira. A Palavra de Jesus, que urge escutar e viver, é a fonte da salvação prometida.

O Tabor é o monte onde Jesus se revelou na sua verdade total. Só aceitando Jesus, numa fé sem condições, é possível mudar a vida para a colocar ao serviço dos outros. O Tabor proporciona o desejo da conversão.

3. Nesta segunda semana da Quaresma, os cristãos são convidados a transfigurar-se, a mudar radicalmente a sua vida. Conhecendo as tentações do ter, do poder e do prazer, sempre as mesmas, há condições para vencê-las com o apoio da Palavra de Deus. Com a certeza de que Jesus é o Filho de Deus, consegue-se ter uma referência segura, para todos os caminhos a percorrer. Com o desejo de ser diferente, de ser melhor, torna-se mais claro o desafio do “arrepende-te e acredita no Evangelho” (Celebração de Quarta-feira de Cinzas). A conversão supõe não apenas o propósito de mudar de vida, mas o esforço de consegui-lo através de uma vida nova.

• Mudar na vida familiar com a procura da harmonia indispensável à comunhão e à unidade, que fazem as pessoas felizes.

• Mudar na vida profissional com a competência sempre maior e a solidariedade para com todos, conseguindo a eficácia no trabalho realizado e a alegria no convívio que a todos envolve.

• Mudar na administração económica dos muitos ou poucos bens, tendo consciência de que a partilha abre caminho a uma felicidade duradoura e a preocupação com os mais pobres dá um sentido novo a tudo.

• Mudar na vida social conseguindo responder ao apelo do santo: “se queres falar dos outros, diz o bem e, se não houver bem para dizer, então cala-te” (Caminho, Josemaría Escrivá).

• Mudar na vida espiritual e religiosa multiplicando os tempos de silêncio em que Deus vem até bem perto do homem, para o ajudar a levantar-se da mediocridade, ficando por isso, também ele, mais perto de Deus.

A transfiguração, nos cristãos, faz-se ao longo de toda a vida, mas a Quaresma é, seguramente, um tempo privilegiado de conversão. No esforço constante de alterar a vida, superando tudo o que é negativo e valorizando tudo o que de melhor pode fazer-se, está um autêntico caminho de luz que leva necessariamente à Ressurreição. O Tabor é o primeiro momento de luz neste tempo da Quaresma. A Luz definitiva surgirá, depois, na Ressurreição do Senhor.

4. A Quaresma é o tempo favorável, é o tempo da salvação. Cada cristão tem o dever de aproveitar este tempo para se transfigurar, se renovar profundamente. Não é fácil ser cristão, não é fácil manter em tudo um estilo de vida marcado pelos valores do Evangelho. Mas este é o desafio de conversão que a Quaresma nos propõe.

• Convertermo-nos na relação com Deus a quem damos mais tempo e com quem estabelecemos laços de intimidade, para discernirmos bem sobre as nossas atitudes em qualquer circunstância.

• Convertermo-nos na relação com os outros que são presenças vivas de Cristo, pois o que fizermos ao mais pequenino dos nossos irmãos é a Ele que o fazemos.

• Convertermo-nos na relação com as coisas de que não somos proprietários, sendo apenas administradores que tudo colocam ao serviço do bem comum.

Esta segunda semana da Quaresma faz um desafio concreto à conversão. Mas só cada um sabe quando, como e em quê deve converter-se. Na comunidade, rezemos uns pelos outros, para que a conversão de coração e de vida aconteça em todos nós.

Pe. Vítor Feytor Pinto
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