SE CONHECESSES O DOM DE DEUS – 23 de Março de 2014

1. A terceira semana da Quaresma está dominada pelo encontro de Jesus com a mulher samaritana. Jesus vem da Galileia a caminho de Jerusalém. Cansado, senta-se junto ao Poço de Jacob e pede água a uma mulher samaritana que se aproxima. Ela vinha apenas buscar água, mas Jesus estabelece com ela uma conversa de extrema densidade em que, pouco a pouco, a mulher vai descobrindo quem é Jesus. Este diálogo pode ser recriado na vida de cada cristão, ao fazer a sua caminhada quaresmal. Afinal, quem é Jesus para mim? É a questão que qualquer pode colocar-se. O diálogo de Jesus com a samaritana tem seis etapas.

• “Como é que Tu, sendo judeu, me pedes água a mim, que sou mulher samaritana?” (Jo 4, 9). Para ela Jesus era um inimigo, um judeu, com quem não se davam os samaritanos. Também agora, para quantos, Jesus continua a ser um adversário ou alguém incómodo, porque pede demais.

• “Ó homem, onde tens Tu essa água que jorra para a vida?” (Jo 4, 14). Jesus tornava-se um amigo que até garantia água viva, sem que ela viesse ali buscá-la. Agora, muitos são capazes de ver em Jesus um amigo em quem se pode confiar, mas não vêem n’Ele nada mais.

• “Tu és maior do que o nosso pai Jacob que aqui vinha, dar de beber a todo o seu gado?” (Jo 4, 12). A samaritana descobria em Jesus alguém superior, mas não lhe reconhecia nada mais. Quantos cristãos, no tempo em que vivemos, se relacionam com Jesus como um chefe, um líder, um grande mestre, mas não compreenderam ainda que Ele é o Filho de Deus.

• “Serás Tu algum profeta?” (Jo 4, 19). Jesus revelou à mulher que conhecia toda a sua vida, o que a levou a pensar estar perante um dos grandes profetas de Israel. Para muitos cristãos, hoje em dia, Cristo não passa de um grande doutrinador com palavras maravilhosas e um projecto que vale a pena experimentar. Isto, porém, é ainda muito pouco.

• “Serás Tu o Messias?” (Jo 4, 29). O Messias era O esperado de Israel. Também a Samaria queria um libertador. Por isso esta interrogação compreendia-se. Na Igreja de hoje há muitos cristãos que não vêem em Jesus mais do que um Messias, um líder espiritual, um transmissor de valores ou até mesmo um revolucionário na construção de um novo mundo. Esta visão, porém, é extremamente redutora.

• “Agora sabemos que és o Salvador do mundo” (Jo 4, 42). Este foi o reconhecimento feito pelos samaritanos, a quem a mulher falava de Jesus. Ao irem ao seu encontro, ao falarem com Ele, ao escutá-l’O, compreenderam que Ele era o Salvador. Todos nós, cristãos, temos de reconhecer em Jesus, não tanto um patriarca ou um profeta ou um Messias, mas ser Ele o Salvador do Mundo, o Filho de Deus.

O caminho percorrido pela mulher samaritana é semelhante ao desenvolvimento profundo exigido pela fé cristã. Cada um pode recordar-se como se foi aproximando de Jesus. Quando criança, quando jovem ou quando adulto, qual a identidade de Cristo? Até que ponto já se reconhece Jesus como o Filho de Deus único que dá sentido à vida? Jesus é mesmo o Salvador, nas horas de alegria como nos tempos de sofrimento, Ele é a única referência que vai permitir opções cristãs que transformam completamente a vida de cada um.

2. “Se tu conhecesses o dom de Deus” (Jo 4, 10). A mulher samaritana julgou que esta pergunta de Jesus se referia a algumas vantagens que ela poderia ter naquela aproximação. Jesus, porém, falava-lhe d’Ele próprio. O dom de Deus era Ele. De facto, por amor, Deus tinha-O enviado ao mundo não para condenar o mundo mas para que o mundo fosse salvo (cf. Jo 3, 16ss). Jesus estava a dar a conhecer-se. Eventualmente, para que ela o seguisse sem condições. Isto acabou por acontecer de tal forma que ela se tornou a anunciadora do Messias, o Salvador (Jo 4, 42). O grande desafio que nos é colocado nesta Quaresma é o de que conheçamos de verdade o dom de Deus que é Cristo Jesus.

• Cristo é o Filho de Deus que veio ao mundo para nos salvar. Ninguém pode fechar as portas do seu coração ao desafio de amor que nos é proposto pelo Pai; acolher Jesus é aceitar ser d’Ele morada. Ele está em cada um de nós para sempre.

• Cristo é a Palavra Viva. De facto, tendo Deus falado outrora aos nossos pais pelos profetas, hoje fala-nos pelo seu Filho, Jesus (Hb 1, 1-2). Ouvir ou ler a Palavra é entrar em comunhão com Jesus.

• Cristo está presente no outro. “O que fizeres ao mais pequenino dos teus irmãos é a Mim que o fazes” (Mt 25, 40). O próximo é uma nova encarnação de Cristo. Não é possível amar a Cristo sem amar todos os outros.

• Cristo está vivo na Eucaristia. “Isto é o meu Corpo, isto é o Cálice do meu sangue” (Mt 26, 26) Na Última Ceia Jesus fez-se presente no pão e no vinho dando o seu corpo e o seu sangue em alimento para todos os cristãos.
• Cristo acompanha a vida toda da Igreja. Antes de partir para o Pai soube dizer aos discípulos: “Ficarei convosco todos os dias, até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20)

• Cristo acompanha-nos na oração. Ele soube dizer, com clareza, que onde estão dois reunidos em seu nome Ele está no meio deles (cf Mt 18, 20). Na oração é com Ele que se dialoga, é n’Ele que se está.

Neste tempo da Quaresma é urgente descobrir que Jesus é o dom de Deus que foi dado a todos os homens, para encontrarem o verdadeiro sentido da vida, descobrindo a felicidade e o gosto em fazer felizes todos os outros. Sem Cristo nada fazemos, nada somos.

3. Passar pela Samaria constitui um desafio forte para esta Quaresma. À luz da experiência da mulher samaritana, cada cristão da nossa comunidade pode descobrir quatro formas de se renovar profundamente. É o encontro com a Pessoa de Jesus, é a água viva que jorra para a vida eterna, é a conversão com a capacidade de alterar o caminho e é a missão que cada um tem o dever de assumir.

• O encontro com Cristo consegue-se na oração frequente, sobretudo em longos tempos de silêncio, onde o Senhor nos dá a mão e ficamos a conversar com a certeza de não estar a perder tempo.

• A água viva recorda o nosso Baptismo, em que fomos purificados de toda a maldade e na luz de Cristo nos abrimos a uma nova esperança, conseguindo em todas as situações identificarmo-nos com o projecto de Jesus Cristo, um projecto de salvação.

• A conversão é uma constante na vida de quem aceita Jesus Cristo como referência constante para a sua vida. A renovação é palavra-chave para um tempo novo que nos é exigido pela prática dos valores do Evangelho.

• A missão é uma componente essencial para quem se diz cristão. Toda a vocação é missionária. Numa Igreja “em saída”, de portas abertas, há a obrigação de anunciar Jesus a toda a gente, sobretudo aos mais próximos.

À luz do encontro de Jesus com a samaritana há todo um estilo de vida que em nós pode mudar. Esta mudança constitui um trabalho quaresmal a que ninguém se pode furtar.

4. A Comunidade Paroquial do Campo Grande está nesta Quaresma a fazer o Caminho da Luz. Que luz maravilhosa nos vem do testemunho da mulher samaritana. Ela acabou por aceitar o dom de Deus e, depois, soube revelá-l’O a todos os samaritanos que encontrou. Cada um de nós deve saber descobrir o Poço de Jacob onde se encontre com Jesus e, depois, poderá compreender que é preciso gritar a toda a gente que Jesus é o Salvador.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior

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