CHAMADOS À LIBERDADE – 6 de Abril de 2014

1. O Concílio Vaticano II deu, da Igreja, uma definição maravilhosa. Chamou-lhe Povo de Deus. Até aí os teólogos tinham recorrido a Paulo para considerar a Igreja o Corpo Místico de Cristo, um corpo com a cabeça que é Cristo e com relação de fraternidade, entre todos os seus membros. O Vaticano II disse que a Igreja é um mistério, mas logo depois considera-a o novo Povo de Deus. Enquanto tal, tem como referência permanente Cristo Jesus, tem como condição  a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, tem como mandamento único o amor e como projecto uma comunidade de gente feliz no tempo e na eternidade. A Igreja, Povo de Deus, tem estas marcas de extraordinária importância

• O Cristocentrismo: Cristo, cabeça do Povo de Deus, é a referência para todos os cristãos e as suas comunidades. Cristo está no centro da vida. É Ele a razão de ser, para todos.

• A luta pela dignidade humana: a dignidade é o valor máximo do ser humano; “todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, é o que diz a Carta das Nações; a Igreja defende e promove sempre a dignidade da pessoa humana.

• A defesa da liberdade humana: esta é a característica fundamental da pessoa humana. Garantir a liberdade e promovê-la em todas as circunstâncias é também missão da Igreja.

O mandamento do amor: foi a grande norma proposta por Jesus para todos os que se dizem cristãos: “Dou-vos o mandamento novo, que vos ameis”. É a regra de ouro que dá sentido a todas as grande opções dos cristãos.

O projecto de felicidade: ser feliz constitui o objectivo de todas as pessoas, em qualquer idade ou condição. A Igreja procura, então, por caminhos muito específicos, oferecer a felicidade a todos, prometendo também, pela fidelidade aos dons de Deus, a felicidade eterna.

É esta a Igreja de que se faz parte, uma comunidade que se torna Povo de Deus, centrada em Cristo, vivendo a dignidade e a liberdade em todas as circunstâncias e tendo como única regra o amor sem condições. Esta Igreja liberta do mal e oferece a verdadeira felicidade.

2. Este 5º Domingo da Quaresma chama à liberdade. A liturgia conta-nos a história de um amigo de Jesus que está muito doente, Lázaro. A sua irmã está inquieta e recorre a Jesus. Estranhamente, Jesus não corresponde ao pedido de Marta. fica a conversar com os discípulos e até refere que aquela doença irá manifestar o poder de Deus. Ninguém entende esta atitude. Mais tarde vêm dizer a Jesus que Lázaro morreu. Os discípulos dizem já não valer a pena ir a Betânia, a terra do amigo. Mas Jesus responde que Lázaro apenas dorme. Refere-se à morte física que será sempre vencida, uma vez que a vida verdadeira está bem para lá da morte temporal. Jesus, em Betânia, cantará um extraordinário hino à liberdade.

. Liberta Marta da tristeza, do luto, da solidão. Jesus sofreu a perda de um amigo mas logo de seguida prometeu restituir-lhe a vida.

• Liberta Lázaro da morte, mandando-o sair do sepulcro. Revelou assim ser senhor da vida e da morte, capaz de vencer todas as mortes.

• Libertou, também, Lázaro das ataduras que o envolviam. Os seus movimentos estavam tolhidos pelas ligaduras, a sua capacidade de relação tinha perdido força pela fragilidade dos membros, o rosto estava tapado com os panos funerários. Jesus liberta Lázaro de todas estas prisões para que, regressado à vida, estivesse em liberdade total.

• Libertou os amigos de todas as lágrimas que marcavam os seus olhos. Ofereceu-lhes Lázaro com tal qualidade de vida que até os judeus queriam matá-lo para que nele se não revelasse o poder extraordinário de Jesus.

Esta página do Evangelho é um hino à liberdade. Pela ressurreição de Lázaro, Jesus garante que todas as opressões poderão ser vencidas e que, livres das cadeias da pobreza, do desemprego, das angústias e livres também das dificuldades espirituais, do pecado, da tentação, da dúvida, o ser humano em Cristo pode ser feliz.

3. O Papa Francisco, na sua mensagem para a Quaresma, convida a Igreja toda a viver com a máxima liberdade, tornando-se assim libertadora e salvadora. Aliás, a Igreja é sacramento universal de libertação e salvação. Liberta de todo o mal e salva concedendo o bem maior que é Cristo Senhor. “Cristo sendo rico fez-se pobre, para a todos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8, 9). Na pobreza Cristo liberta-se de tudo, ao tomar a natureza humana, mas simultaneamente enriquece os homens com todos os seus dons, tornando-os até Filhos de Deus. O Papa continua dizendo que é urgente o testemunho da liberdade, dado ao mundo por todos os cristãos. Para além de ser livre, cada cristão tem de tornar-se libertador, agindo com coragem para libertar do mal todos os homens.

Libertar da miséria moral – o cristão tem o dever de lutar contra a fome, o subdesenvolvimento, a falta de emprego, a habitação degradada, o salário baixo, a iliteracia e tantas outras formas de pobreza extrema.

• Libertar da miséria moral – o cristão tenta contrariar o consumo da droga, do álcool e de tantas outras formas de dependência. Procura também vencer as rixas, as brigas, as contendas, as divisões. Só oferecendo valores a Igreja pode estar ao lado de tanta gente em sofrimento.

• Libertar da miséria espiritual –  o cristão quer vencer o pecado em todas as suas formas, as tentações que a todos assaltam, as mediocridades, as rotinas, a falta de fé e de confiança. A Igreja propõe uma espiritualidade viva que pela oração garante sempre a paz interior.

O testemunho do cristão exige uma suficiente intervenção na cidade dos homens, para que as fontes de sofrimento desapareçam e as pessoas caminhem, seguramente, para a felicidade que vem de Deus e que pode durar para sempre.

4. A liberdade cristã não pode ser fundamentada nos instintos, nos maus desejos, nos egoísmos. O cristão vive a liberdade dos filhos de Deus e esta liberdade gera a alegria, a paz, a bondade, a ternura, a paciência, o domínio de si próprio, como diz Paulo, na sua Carta aoa Gálatas (cf Gal 5, 13-24). Talvez pudessem escolher-se quatro elementos que são verdadeiros frutos da liberdade do Espírito.

. A liberdade garante a alegria, uma vez que se não está preso a pessoas, a interesses, a ideologias, a coisas que se teme perder. A alegria é o fruto maior da liberdade.

. A liberdade facilita o amor, porque sendo livre se tem a capacidade de amar e de aceitar o amor. Um coração livre de interesses ou de preconceitos está disponível para amar a todos, procurando a todos fazer felizes.

. A liberdade provoca uma paz interior que tranquiliza o coração. Depois é fácil transmitir esta paz a toda a gente. Com razão o Senhor Ressuscitado falava aos Apóstolos dizendo sempre: “A Paz esteja convosco” (Jo 20, 19-21).

A caminho da Páscoa é fundamental cultivar a liberdade na vida de cada um de nós que somos cristãos. Se se não for livre, as exigências de ser cristão não se compreendem. O código das Bem-Aventuranças, condição para a felicidade, é um código que reclama a liberdade total no coração de cada um.

5. A nossa comunidade deve caracterizar-se pela liberdade, princípio de renovação.

Pe. Vítor Feytor Pinto – Prior

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