ACOMPANHAR, UMA NOVA FORMA DE AMOR – 29 de Junho de 2014

1. O sofrimento maior, na vida das pessoas, está certamente na solidão. O ser humano é um ser social. Nasce da maravilhosa relação entre o homem e a mulher, é acarinhado durante anos na infância e na adolescência, cria novos amigos na escola e no trabalho, encontra outros com quem idealiza sonhos e projectos, é pai, é mãe, é avô ou avó, tem o seu grupo social ao largo da vida. Ninguém sabe viver sozinho. Acontece, porém, que numa determinada etapa da vida se confronta com a solidão. A idade, a partida dos filhos, a doença, a viuvez, ou outras razões levam a que alguém um dia se encontre sozinho em casa. Os amigos e os vizinhos vão desaparecendo, o telefone deixa de tocar tantas vezes, os filhos e os netos partem para longe e, de repente, só o barulho da telefonia ou da televisão faz a companhia de que tanto se precisa.

. A solidão dos mais velhos. Quantas pessoas de idade estão em sua casa sempre sozinhos, sem ninguém com quem conversar, a quem ouvir, com quem partilhar a vida…

. A solidão dos doentes, sobretudo na sua fase terminal. Muitas pessoas tiveram uma vida cheia de interesses, mas foram surpreendidas pela doença. O tempo de hospital isolou-as e, no regresso a casa, já não está ninguém, porque a actividade dos filhos e netos compromete a companhia. Resta-lhes ao menos esperar que cheguem.

. A solidão dos deficientes. Não são só os limites que criam o isolamento, são as circunstâncias. Recordo um bairro de periferia de Lisboa, onde alguns deficientes ficavam “presos” nas varandas, durante o dia inteiro. Foi uma CERCI que os libertou e salvou.

. A solidão dos infelizes. Muitas pessoas desesperadas com a situação em que estão a viver, sentem a vida truncada. Resta-lhes a procura de outra vida que julgam só poder acontecer depois da morte. É o drama daqueles que desistiram de viver, porque o jogo dos afectos se perdeu.

Todos estes casos de solidão fazem-me lembrar um poema de José Régio: “Todos tiveram pai/Todos tiveram mãe/ mas eu que nem principio nem acabo/ nasci do amor que há entre Deus e o Diabo”. Expressão máxima da solidão mais violenta.

2. São as dificuldades multiplicadas na vida das pessoas que provocam a síndrome da solidão. Há inúmeros casos de sofrimento que isolam as pessoas, as deixam completamente sós, no normal caminho da vida. São os problemas acumulados no dia-a-dia, que quase exigem a fuga para desertos de solidão.

A reforma quando ainda se podia continuar a trabalhar cria um vazio enorme. Perderam-se os companheiros de trabalho, desapareceram os amigos com quem se discutiam acontecimentos de maior ou menor interesse, não há com quem competir ou com quem fazer humor. Sobra apenas ir ao café tomar um copo e ler o jornal. A vida perde sentido.

O desemprego, com as quebras nos rendimentos, compromete muito a qualidade de vida. De repente, perde-se estatuto social, a pessoa que não tem trabalho fecha-se em casa e já nada tem interesse ou sentido. À mulher resta-lhe a telenovela, ao homem basta-lhe o desafio de futebol.

As roturas na família por razões de herança, em partilhas complicadas, atiram alguns para o canto, deixando-os na total marginalidade. Pedir perdão é difícil, criar reconciliação é impossível, e ficam todos cheios de amuos, sem capacidade de reconstruir a relação de aconchego que a família daria sempre.

As intrigas sociais e políticas deixam muitas pessoas fora do grupo de amigos, alguns acabam por ficar esquecidos. Já não se convidam, já não se recebem, a casa ameaça estar deserta e o silêncio domina todas as situações. Faltam as palavras, sobram as críticas, resta o isolamento que gera a infelicidade.

São imensos os casos em que, na relação humana, muitos caíram na valeta do esquecimento. Por vezes os sem-abrigo relacionam-se melhor do que famílias e grupos sociais em que a amizade era o elemento aglutinador e que ficou comprometido.

3. É tempo de descobrir a palavra acolhimento e, logo depois, compreender que todos são chamados a acompanhar quem caiu na solidão. Há umas quantas páginas do Evangelho que dão sugestões para o acompanhamento das pessoas em solidão.

. A visita de Jesus à Piscina de Betsaida, em Jerusalém. Havia um homem que estava completamente só. Paralítico há 38 anos, esperava que a água se movesse, para nela entrar e ser curado. Mas estava só, não tinha homem que o levasse à água. Jesus acompanhou-o e salvou-o. Falou-lhe, manteve-se discreto (desconhecido) e deu-lhe mais do que ele pedia, curou-o.

. Nicodemos estava isolado, no meio do Sinédrio. Apesar de haver tantos, reunidos naquela assembleia, ele vivia na solidão. Foi procurar Jesus de noite, para não ser visto. Por ser preciso nascer de novo, Nicodemos foi acompanhado por Jesus num caminho de salvação.

. A mulher pecadora estava só, no meio da praça. Todos a acusavam e queriam atirar-lhe pedras. Jesus libertou-a da fúria dos grandes hipócritas e disse-lhe apenas: “ninguém te condenou? Também eu te não condeno, vai em paz”. Forma maravilhosa de acompanhar.

Acompanhar é estar com o outro que precisa de amigos para fazer caminho. O caminho é difícil, mas faz-se caminhando. Jesus fez-se homem que salva, na piscina; fez-se amigo que compreende e ajuda, com Nicodemos; fez-se próximo e capaz de perdoar, junto daquela mulher indefesa. Acompanhar é fazer caminho com o outro, encurtando a distância que o separa daquele que está só.

4. Envolver e acompanhar aqueles que estão sozinhos é uma forma privilegiada de amor. “Amar é esquecer-se de si, para ir ao encontro do outro, para o fazer feliz” (Erich Fromm). Quando alguém se apercebe da solidão do outro e se aproxima, para fazer companhia, conversar, sorrir, prestar algum serviço, esse alguém está mesmo a amar. Com os olhos bem abertos, todos podemos dar conta das pessoas que estão sozinhas e bem perto, no prédio, no bairro, no café que se frequenta, até na Igreja onde se vai para rezar. Em tempo de Verão, tem-se mais disponibilidade para descobrir a solidão dos outros. É a altura de reinventar o amor, indo ter com esse e o acompanhar, dando-lhe atenção.

. Até no ambiente de família, há pessoas que precisam de uma companhia: os avós, um tio afastado, um parente que adoeceu e se isolou.

.No grupo dos amigos, há gente que ficou só porque enviuvou e está a fazer o luto, porque perdeu rendimentos e se fechou em casa, porque foi mal considerado e passou a fugir de todos.

.Mesmo no tecido da paróquia, uma pessoa que vinha sempre, de repente desapareceu. Uma cirurgia, com convalescença difícil, ou um choque provocado por uma palavra infeliz, e esta pessoa desapareceu da comunidade.

A solidão é o maior flagelo na sociedade humana, é a maior causa de sofrimento. Neste Verão, em tempo de férias, é bom transformar o encontro com os outros, o acompanhamento, em nova forma de amor. Vamos inventar o amor.

5. Aproxima-se o tempo de férias. Os cristãos da nossa comunidade podem encontrar formas de descanso na alegria do serviço aos outros. Criar laços com as pessoas que estão mais sozinhas é um bom projecto. Cada um, à sua maneira, pode sempre tentar.

Pe. Vítor Feytor Pinto
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