ACÇÃO SOCIAL E INTERVENÇÃO ORGANIZADA
1. Os últimos Papas têm insistido muito na relação entre a fé e a caridade, isto é, a confissão da fé em Jesus Cristo e a acção social organizada ao serviço dos pobres. Então, perante os graves problemas do mundo é fundamental intervir e, através de uma acção eficaz, conseguir mudar as coisas, principalmente acompanhando as pessoas, dando-lhes oportunidade de vencerem as suas dificuldades e se afirmarem na plenitude do seu ser humano. No mundo de hoje multiplicam-se as situações de pobreza, nalguns casos atinge-se mesmo as raias da miséria. A Igreja não foi indiferente quando os doentes mais graves, os “loucos”, eram excluídos da sociedade. Nessa altura apareceu S. João de Deus que revolucionou o comportamento dos cristãos, dando o seu testemunho de identificação com esses pobres. Não é preciso recordar S. Vicente de Paulo, também ele a surgir na Igreja para enfrentar os problemas de uma sociedade que gerava pobreza. Coisa idêntica aconteceu no século XX. Em Calcutá centenas de mendigos morriam nas valetas da cidade. Surgiu a Madre Teresa que desafiou a Igreja inteira a fazer-se solidária dos moribundos e de todos os abandonados. Em pleno século XXI os pobres continuam à margem da sociedade. É urgente ser solidário com eles. Há hoje, diz o Papa Francisco, três tipos de pobreza: material, moral e espiritual. É perante todos eles que a Igreja tem o dever de intervir.
• A pobreza material é facilmente conhecida: pessoas que têm um rendimento ridículo muito abaixo do salário mínimo; homens e mulheres que perdem o emprego e não podem mais sustentar os filhos; crianças com as maiores dificuldades, algumas até com fome; idosos atirados para uma solidão que nunca desejaram. A par de todos estes há ainda os sem-abrigo, a dormirem debaixo da ponte, os emigrantes à procura de trabalho, os doentes e os deficientes sem a necessária ajuda social e tantos outros.
• A pobreza moral também é fácil de detectar: o consumo da droga e do álcool que provoca adições; mulheres e homens que vendem o próprio corpo na prostituição; grandes responsáveis que cedem à corrupção para lucros mais fáceis; a exploração dos mais fracos com situações de extraordinária gravidade como a pedofilia; o crime muitas vezes generalizado numa quase consagração da violência; tudo são situações que exprimem a degradação moral da sociedade de hoje.
• A pobreza espiritual revela-se na perda de fé e dos valores que lhe estão associados: o esquecimento de Deus na prática de muitas vidas; a afirmação do agnosticismo como expressão de cultura; o ateísmo, até militante, no combate às religiões; tudo isto a par de uma certa mediocridade de grande número de cristãos que não se revêm na fé dos seus antepassados. Daqui resulta o esquecimento dos valores fundamentais, a busca da verdade, a prática da justiça, o sentido da liberdade, a afirmação de um verdadeiro amor.
A Igreja não pode ser indiferente a toda a pobreza de diversos matizes que envolvem a vida do homem contemporâneo. Se é preciso vencer a pobreza material, não é menos importante ajudar as pessoas a terem um quadro de valores cristãos e depois alimentarem a sua fé numa relação pessoal com Deus. Em todos estes campos a intervenção tornou-se uma urgência.
2. Quando João Paulo II falou na Nova Evangelização disse expressamente que era necessário, para além de um novo ardor, novos métodos e novas expressões. O Papa Francisco retoma o tema na Evangelii Gaudium quando no capítulo 4 fala expressamente da intervenção social. A Igreja tem então de se organizar para exercer duas actividades essenciais, a da solidariedade e a da promoção humana. A solidariedade enfrenta problemas pontuais e procura responder a questões muito próprias que é urgente resolver. A Igreja, neste tempo de crise, a partir dos Centros Sociais, das IPSS e das Conferências de S. Vicente de Paulo, tem conseguido suportar o peso de muitas dificuldades de que inúmeras pessoas são portadoras. Simplesmente, uma assistência pontual é sempre insuficiente. Por isso a Igreja tem que se envolver na promoção humana. Fá-lo trabalhando na educação das crianças e dos jovens, na preocupação pela saúde das populações, e, ainda, pela criação de lugares de trabalho onde muitos possam valorizar-se em iniciativas do desenvolvimento para o bem-comum. É claro que tais acções estão fortemente ligadas à missão dos leigos cristãos na Igreja e no mundo, uma vez que lhes pertence “tratar da ordem temporal e orientá-la segundo Deus para que progrida e assim glorifique o Criador e Redentor” (LG 31). As instituições da Igreja, porém, com leigos e com consagrados tem o dever de pensar bem a metodologia da sua intervenção social. Foi um grande apóstolo dos trabalhadores do século XX, Joseph Cardin, que deu a chave da intervenção com a dinâmica da revisão de vida: ver, julgar e agir. Esta metodologia orienta toda a acção social.
• Ver – consiste em estar atento ao que vai acontecendo, detectando os problemas mais graves que permitam criar estruturas para resolvê-los.
• Julgar – exige o conhecimento claro dos Evangelhos, das Cartas dos Apóstolos, mas também do pensamento social da Igreja, para definir os valores que é necessário implementar para a efectiva resolução dos problemas.
• Agir – provoca a superação das análises e do estudo dos problemas para conseguir intervir directamente com programas e estruturas que sejam, para muitos, caminho de salvação.
Sem estes três elementos perde-se imenso tempo a reflectir em teoria, sem ir ao encontro das pessoas que precisam de descobrir os caminhos que os levem a vencer os seus problemas. A Igreja não quer limitar-se nem a lamentações, nem a denúncias. Tem o dever de organizar-se para uma intervenção eficaz que se torna autêntica redenção. Aliás, isto é forma de evangelização, pois ninguém prega a estômagos vazios.
3. Para uma acção social eficaz as organizações da Igreja devem trabalhar numa dinâmica de projecto. Qualquer que seja o problema a enfrentar, a intervenção tem de ser organizada. Tal organização implica: definir objectivos, estabelecer um plano, definir os programas, garantir os recursos humanos (as pessoas que vão trabalhar) e os meios financeiros num orçamento bem estruturado. Deixa-se aos organismos sociais da Paróquia terem uma intervenção marcada por estas características.
Tem razão o Papa Francisco quando diz que não se pode confessar a fé sem a intervenção social.
P. Vítor Feytor Pinto Prior