1. A Evangelização adquiriu prioridade absoluta na actividade que a Igreja desenvolve no mundo. Paulo VI, na Evangelii Nuntiadi, já tinha desafiado as comunidades cristãs a investirem fortemente no testemunho, como forma essencial para que todas as pessoas se dessem conta da acção que a Igreja realiza. Depois, João Paulo II convidou todos a abrirem-se à Nova Evangelização, com novo ardor, novos métodos, novas expressões. Bento XVI não teve medo de afirmar que a fé está estreitamente ligada à caridade e que a confissão da fé exige uma atenção concreta a todos os outros com os seus normais problemas. O Papa Francisco, agora, na Evangelii Gaudium, afirma claramente que não pode haver fé cristã sem acção social ao serviço dos mais pobres e dos que mais sofrem. Esta preocupação dos Papas pela evangelização resulta do facto de inúmeros cristãos estarem a perder a fé e imensas comunidades humanas se manifestarem indiferentes ao problema de Deus. Expressão desta perda de fé são algumas situações que vale a pena recordar:
• O Cardeal Lustiger, Arcebispo de Paris, referia um dia que França era um país de missão. O antigo país das luzes, inspirado nos valores cristãos, estava pouco a pouco a afastar-se da sua matriz assente nos valores do Evangelho.
• João Paulo II quando pela primeira vez foi a França, ao beijar o solo teve oportunidade de dizer, “França, que fizeste do teu baptismo?” A secularização tinha invadido todas as estruturas da cidade, do Parlamento às universidades, aos órgãos do poder.
• Em Portugal as estatísticas continuam a dizer que 80% das pessoas são católicas. Acontece, porém, que só 25% têm uma prática habitual, na sua vida religiosa ou na sua intervenção na cidade.
• Ao rever-se a Constituição da Europa a referência ao cristianismo foi posta de parte, esquecendo-se os construtores deste grande Continente, como Bento de Núrcia, Bernardo de Claraval, Francisco de Assis, João da Cruz, Teresa d’Ávila, Inácio de Loyola, Catarina de Sena e tantos outros.
A Igreja de hoje tomou consciência de que só um grande envolvimento missionário pode apontar Jesus como referência, para todas as atitudes colectivas ou individuais que poderão levar ao respeito pela dignidade humana, à procura do bem comum e à solidariedade para com os mais pobres. Sem estes objectivos o mundo tenderá a desorganizar-se cada vez mais, gerando violências com expressões absolutamente inaceitáveis.
2. A Igreja, enquanto Povo de Deus, é sacramento universal de salvação. O Concílio Vaticano II revelou-nos uma Igreja aberta a todos os homens. Quem lê com atenção o capítulo 2º da Lumen Gentium, dá-se conta de que os catecúmenos que ainda não são baptizados já fazem parte da Igreja. Acrescenta-se logo a seguir que também se referem a ela aqueles que acreditando em Cristo não acreditam na Igreja, isto é, os ortodoxos e os protestantes. Mas diz-se mais, afirma-se que também se referem à Igreja aqueles que, não acreditando em Cristo, acreditam em Deus, isto é, os judeus e os muçulmanos. Mas também a Igreja acolhe aqueles que, não acreditando em Deus, acreditam na divindade, sobretudo as religiões primitivas e as religiões orientais. A terminar esta página maravilhosa do Concílio afirma-se que também se salvam todos os homens de boa vontade que sem culpa não tiveram oportunidade de conhecer Jesus Cristo mas, com rectidão, procuram seguir os ditames da sua consciência (LG 13 a 16). Quem compreende a riqueza da Igreja, Povo de Deus, sacramento universal de salvação, compreende que o Papa Francisco escreve na Evangelii Gaudium que a Igreja está de portas abertas e “em saída” para ir ao encontro de todos os homens e lhes levar a beleza do Evangelho. Está aqui o sonho missionário de chegar a todos, que D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, nos convida a viver, neste tempo de preparação do Sínodo Diocesano de 2016. Chegar a todos, mas a quem?
• A todos os homens de boa vontade – há muita gente que tem um coração bom e que não chegou a conhecer Jesus Cristo nem a sua mensagem, nem conhece a Igreja que deverá anunciá-l’O constantemente. Conseguirão os cristãos tocar o coração destas pessoas que reconhecidamente estão abertas aos valores do Evangelho?
• A quantos vivem em constante procura – há muitos que vivem em profunda inquietação. Não entendem o mundo que os rodeia, não aceitam a violência que caiu sobre a cidade, não compreendem a mentira e a corrupção que domina em muitas estruturas do poder, não aceitam também a opressão a que muitos são vetados nem a pobreza que é fruto de injustiças. Querem um mundo diferente que talvez possam encontrar na mensagem de Jesus.
• Àqueles que se afastaram e perderam a fé – conhecem-se pessoas que um dia tiveram uma má experiência na sua relação com a Igreja, no colégio que frequentaram, no encontro com o conselheiro que reduzia tudo ao pecado e à condenação, na complexidade dos estudos que a universidade lhes trouxe e que os levou a julgar falsa toda a doutrina que lhes tinha sido apresentada na catequese ou mesmo na difícil relação entre a fé e a ciência. Provavelmente, um encontro feliz com testemunhos vivos marcados pela verdade e a justiça pode reabrir o mundo dos afectos em que também estas pessoas se podem reencontrar com Deus.
• E ainda a quantos, por mera superficialidade, abandonaram a prática religiosa – se os cristãos não têm uma comunidade viva que alimente a sua fé, ao ponto de os levar ao compromisso cristão em todas as situações da vida, facilmente caem na rotina e na indiferença. Algumas experiências de oração, de vida comunitária ou de intervenção social, podem reabrir, também a estes, o sentido da beleza profunda do seguir sempre Jesus Salvador.
Com razão se compreende que, chegar a todos, é mesmo um desafio missionário. E todos os cristãos são missionários, para levar a mensagem do Evangelho a quantos passam por si, sejam quem forem. Os outros podem andar longe, podem ter uma ideologia distante do projecto de Deus, podem praticar rituais diferentes, mas todos esperam o anúncio do Evangelho. É a responsabilidade missionária de cada cristão.
3. O Papa Francisco, com grande originalidade, define critérios que orientam extraordinariamente a acção evangelizadora de que todos somos responsáveis. Francisco diz assim:
• O tempo é superior ao espaço, isto é, na evangelização é preciso saber dar tempo ao tempo, é forçoso saber esperar porque o coração não se converte sem o discernimento necessário. No reencontro com Deus caminha-se passo a passo, saboreando cada descoberta até ao momento em que se pode dizer: Eu creio.
• A unidade prevalece sobre o conflito, isto é, só através de relações de profunda compreensão e de muito amor se consegue ajudar as pessoas ao seu reencontro com Deus; não têm sentido discussões sobre a doutrina e os mandamentos; o testemunho do amor é a forma privilegiada de evangelização.
• A realidade é mais importante que a ideia, isto é, cada pessoa é um mundo que é fundamental respeitar com a sua história e com os seus ritmos; ideias extraordinárias podem bloquear completamente a relação evangelizadora, simplesmente porque tais ideias não estão na “realidade” do outro.
• O todo é superior à parte, e, aqui, o todo é simplesmente a pessoa de Jesus; se se quer evangelizar a partir de cada verdade do Credo, o outro que está a caminho desinteressa-se pela complexidade da proposta; Jesus basta.
O sonho missionário de chegar a todos é mobilizador porque compromete todos os cristãos no anúncio claro de Jesus que, pela acção de cada cristão, leva a Boa-nova aos pobres, a libertação aos oprimidos, a vista aos cegos, a alegria aos que sofrem, instaurando o tempo da reconciliação e da paz (cf Lc 4, 18-19).
4. Na nossa comunidade do Campo Grande todos estamos envolvidos no sonho missionário da evangelização. Que todos saibamos preparar-nos para que pelo testemunho e pela palavra oportuna levemos a Boa Nova do Evangelho a toda a criatura (cf Mt 28, 19).
P. Vítor Feytor Pinto
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