1. Os finados são os que chegaram ao fim do seu peregrinar na terra e partiram ao encontro de Deus. Quem lê S. Paulo recorda o que ele diz na última etapa da vida: “Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel” (2Tm 4, 7). O Apóstolo sabia que estava a chegar ao fim, depois de uma vida consagrada a anunciar Jesus. Com razão ele pôde dizer à comunidade de Corinto: “A vida não acaba, apenas se transforma, e desfeita a tenda deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna” (2Cor 5, 1). Paulo tinha consciência de que para os cristãos a morte como limite seria vencida com a Ressurreição de Cristo. Ele sabia também que como Cristo ressuscitou todos iríamos ressuscitar. Então pôde dizer aos cristãos de Tessalónica “no que se refere aos defuntos, não fiquem tristes como os pagãos que não têm esperança” (1Tes 4, 13). Os finados, compreendemo-lo bem, são aqueles que terminaram a corrida, que adquiriram uma nova morada, que nos contagiam com a sua alegria. O Dia de Finados não será para os cristãos um dia de derrota, porque sabemos que a ressurreição de Cristo venceu definitivamente a morte.
2. Os primeiros dois dias de Novembro são em cada ano dias de memória, de oração e de partilha. Muitos dos nossos partiram ao encontro de Deus e celebram já o banquete da alegria, prometido pelo profeta Isaías (cf. Is 25, 6-10). São os santos que, não tendo sido canonizados, pelos seus méritos e pela ternura de Deus, já celebram a Bem-Aventurança eterna. Estes intercedem por nós. Não sabemos, porém, quais aqueles que ainda se estão a purificar. Chamamos-lhes almas do purgatório e é por esses que as comunidades cristãs rezam no Dia dos Fieis Defuntos. Os dois primeiros dias de Novembro permitem-nos viver a comunhão de uma Igreja que ultrapassa o tempo e se projecta na eternidade.
• A memória – nestes dias rumamos para o lugar das nossas origens para ali recordarmos os nossos mortos. Numa simbologia, cheia de significado, levamos flores para dar beleza ao túmulo dos que nos deixaram. As flores são sinal da vida que se continua.
• A oração – interceder por aqueles que amamos tem o sabor de uma relação prolongada para além da morte. A oração é sinal de que se acredita na vida eterna. Ao rezar pelo pai, pela mãe, por um mestre, sente-se que eles não foram acidente na nossa vida, mas continuam a orientar os nossos caminhos. Talvez precisem de nós, no eventual tempo de purificação e, na prece, intercedemos por eles para que se encontrem desde já com Jesus Ressuscitado.
• A partilha – quando alguém morre há sempre alguns bens, poucos ou muitos para repartir. Distribuir coisas pelos mais pobres, alimentos, roupas, dinheiro, torna-se então, uma das maneiras mais belas de sufragar os mortos. São estes, com o que nos deixaram, que continuam a exercer a caridade como Jesus sempre lhes pediu.
Celebrar os finados constitui uma maneira de rara beleza no afirmar da saudade que temos por aqueles que nos deixaram. É por isso que nestes dias não podemos ficar indiferentes. Há um grande número de pessoas que marcaram as nossas vidas. Que eles descansem em paz e que nós continuemos a sentir a alegria da sua presença.
3. Nestes dias os cristãos recordam os santos. Não estamos a falar dos santos da ladainha, nem de quantos ao longo dos séculos foram canonizados pela Igreja. Também não estamos a falar daqueles que quase ironicamente são chamados santinhos. Falamos, sim, daqueles homens e mulheres que com rectidão levaram uma vida marcada pelos valores do Evangelho e mereceram, por isso, a eterna Bem-Aventurança. São os que tiveram um coração de pobre, um coração sincero e verdadeiro, um coração simples, humilde, com capacidade de acolher, um coração recto, capaz de perdoar e aberto à misericórdia, à reconciliação e à paz. Muitos conheceram Jesus Cristo e foi n’Ele que aprenderam a viver os valores do Evangelho. Mas muitos outros não tiveram o dom da fé em Jesus, mas seguiram com rectidão os valores que a sua consciência lhes ditava, na verdade, na justiça, na liberdade e no amor. Todos estes foram chamados à salvação e estão junto de Deus. São os santos desconhecidos. A Igreja, na festa de Todos os Santos quer também honrá-los. Provavelmente muitos dos que mais amamos estão neste número.
• Os nossos pais e avós, os nossos filhos e filhas, os nossos familiares e amigos, a mulher ou marido, de todos recordamos o que de melhor viveram. O amor que a todos estes dedicámos foi também para eles fonte de salvação.
• Aqueles que nos ajudaram a crescer, os professores, os colegas da escola, os conselheiros que nos deram orientações seguras, os confidentes a quem confiámos os segredos, e tantos outros pela importância que tiveram nas nossas vidas revelaram-se capazes de atingir a santidade.
• Os guias espirituais que nos anunciaram valores capazes de fazer-nos felizes, que nos revelaram Jesus, Redentor e Salvador, que nos abriram as portas da Igreja, Povo Santo de Deus, que nos ensinaram que valia a pena ser santo, todos estes, certamente, estão já na casa de Deus e recordamo-los com ternura.
• Aqueles que ajudámos, os pobres, os infelizes, as crianças e os mais velhos em profunda solidão, todos estes purificados pelo sofrimento, certamente chegaram já ao lugar da verdadeira alegria. Enquanto peregrinos na terra estiveram marcados pelo sofrimento, agora, na eternidade, o Senhor senta-os à sua mesa para o grande festim. São, também estes, santos de Deus.
O Dia de Todos os Santos traz ao coração do cristão uma multidão de gente que pela sua fidelidade ao Evangelho mereceu o prémio da vida eterna. A Igreja reconhece a santidade de muitos cristãos, apóstolos, mártires, papas, bispos, religiosos, confessores da fé e tantos outros. Mas o cortejo destes santos é muito menor do que a assembleia dos santos desconhecidos que louvam a Deus nos céus. Para estes a nossa oração de louvor no Dia de Todos os Santos.
4. O Dia de Todos os Santos e o Dia de Fieis Defuntos são na nossa Paróquia dias de festa, porque todos os que partiram ao encontro de Deus são acolhidos desde já na alegria definitiva a que todos somos chamados. D. José Policarpo, quando o pai partiu, contava na homilia, aqui na nossa igreja que o pai acabara de iniciar a grande viagem que sonhou a vida inteira. Ele ia cheio de alegria ao encontro de Deus. O drama do filho é que na primeira curva do caminho dessa grande viagem, tinha deixado de o ver e sentia saudades. Todos sentimos saudades dos nossos que partiram, mas a memória, a oração e a partilha são para nós sinal de que os consideramos vivos na casa eterna de Deus.
P. Vítor Feytor Pinto
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