Queridos amigos,
Os dias de Natal são sempre tempo de recordar inúmeras histórias das nossas vidas. Podem repetir-se as tradições, podem a oração e a liturgia parecerem as mesmas, podem as pessoas reencontrar-se em cada ano, mas o Natal é sempre diferente. Se abrirmos os álbuns da memória recordamos situações que marcaram profundamente as nossas vidas. Dizer que o Advento é tempo de preparação e que o Natal é lugar de encontro com Jesus, enviar Boas Festas e desejar Ano Novo melhor, tudo isto é muito pouco perante a vida que em cada Natal renasce com fortes razões de esperança.
1. Eu recordo cinco natais que foram pilares na minha vida:
• O Natal da minha infância em Castelo Branco começava com a Missa do Galo. À porta da Sé um tronco enorme ardia, dando um calor extraordinário a todos os que entravam no templo. A família toda, os meus pais e irmãos, vivíamos um intenso momento de oração. No regresso a casa era a Ceia de Natal que durava até de madrugada. Nessa noite nós, as crianças, não tínhamos sono.
• Quando, coadjutor na Sé da Guarda chamei as crianças da catequese para vivermos um Natal diferente. Os pais concordaram e na missa da meia-noite, celebrada pelo Bispo, na grande catedral, o coro foi o de vozes cristalinas de muitos pequeninos que cantavam loas ao Menino Jesus. O Bispo entusiasmou-se de tal maneira que levou aquela criançada toda para casa, oferecendo-lhes chocolate quente e “churros” de fabrico espanhol. Ainda hoje não sei onde é que o Bispo foi buscar tanta coisa para oferecer aos pequeninos.
• Em Roma, no centro internacional onde estudava, havia pessoas de 14 países com tradições e línguas muito diferentes. Que maravilhosa noite de Natal que, para além da Eucaristia sacramento, permitiu a Eucaristia da amizade. Todos estávamos longe das famílias, mas aquele Natal fez-nos crescer na comunhão fraterna, no amor partilhado e na dimensão universal da Igreja.
• Mais tarde, em África, vivi o Natal de 67 em Nampula com mais de 200 jovens de tez morena. Recriámos a história da salvação desde a chamada de Abraão até ao “sim” de Maria, percorremos milhares de anos, todos eles marcados pela espera de Jesus. Numa noite de calor tropical pudemos depois cantar cantos da tradição portuguesa “Ó meu Menino Jesus, logo vieste nascer na noite do caramelo”.
• Já Pároco do Campo Grande, a televisão quis levar o nosso Natal a todas as casas de Portugal. Não posso esquecer como crianças, jovens, adultos e idosos se deram as mãos para celebrar o Natal cheio de alegria. Todos os pequenos grupos da comunidade estiveram presentes, todos participaram no cantar, todos viveram a festa do nascimento do Deus Menino, todos pudemos entoar o cântico dos anjos “Glória a Deus nas alturas e aos homens paz e boa vontade”.
Se podemos recordar muitos dos nossos natais, talvez seja um desafio para cada um recriar o seu Natal de 2014. Pensar numa eventual conversão é fácil, na proposta da mudança de vida; multiplicar orações mesmo que centradas em Isaías ou nos Evangelhos, não custa, pois isto se consegue com maior disponibilidade de tempo; também já é alguma coisa repensar os presentes que se dão ou a maneira de ornamentar a casa. Apesar de tudo isto, recriar o Natal tem que ser muito mais.
2. Os cristãos de hoje vivem numa sociedade que perdeu o sentido do Natal. O mundo materialista, dominado pela razão, não entende o dinamismo espiritual que o nascimento de Jesus encerra. A maneira individualista de viver torna difícil a abertura ao serviço dos outros, apoiando-os nas suas fragilidades. A visão redutora de uma festa que deveria ser abrangente, compromete a oportunidade de fazer destes dias tempo de partilha e de apoio aos mais pobres e a quantos estão à margem dos caminhos. O Natal Feliz tem de ser um Natal cheio de misericórdia e a misericórdia verdadeira é acolhimento, aproximação, perdão, partilha, solidariedade e amor sem condições. Se o nosso mundo tem dificuldade em viver tudo isto, eu sinto ter o dever de dizer “não” a muitas coisas que construíram um Natal sem o nascimento de Jesus.
• Mais do que as luzes e os cânticos das crianças que enchem a cidade, é preciso descobrir os sentimentos que obrigam cada um a fazer-se próximo de quem caminha a seu lado, às vezes numa profunda solidão.
• Mais do que ir às compras, com lista de presentes que se têm de entregar na consoada, é bom renunciar a pequenas coisas para poder oferecer a outros o que lhes é essencial.
• Mais do que participar em festas de escola ou de empresa, deverá ter coragem de deixar velhos hábitos centrados num certo egoísmo para inventar gestos fraternos que façam felizes aqueles que se aproximam de nós.
• Mais do que ter um presépio em casa com o Menino Jesus feito de barro, é um desafio maior levar Jesus a toda a gente, aos familiares, aos amigos, aos colegas de trabalho, às pessoas com quem nos cruzamos na rua.
• Mais do que celebrar as Eucaristias do Natal, é pedido fazer da vida uma Eucaristia em que comungamos Jesus e n’Ele fazemos comunhão e unidade.
A cidade pode ter-se tornado pagã, nós é que temos que ser cristãos na cidade. Cada palavra, cada gesto, cada atitude do cristão, tudo provoca a Encarnação de Jesus Cristo e permite tornar Jesus nascido no grande presépio do mundo.
3. O Natal de cada um de nós neste 2014 vai ser diferente, construído à medida de cada um. As figuras do presépio são muitas, mas qualquer delas traz um desafio de mudança. Talvez possam ser para nós um modelo a seguir.
• O silêncio de José convida ao discernimento, à simplicidade e ao abandono no querer de Deus.
• O “sim” de Maria chama à entrega generosa sem limite, ao projecto de salvação que Deus tem para nós e que por nós Deus quer para os outros.
• A alegria dos pastores desafia a ficar feliz mesmo no meio das maiores dificuldades, porque a certeza do amor de Deus é mais forte do que as hesitações perante o futuro.
• A presença dos Magos vindos do Oriente afirma com clareza que nada nos pertence e tudo é para oferecer: o ouro das coisas, o incenso da espiritualidade e a mirra dos sofrimentos, nada é nosso, tudo pertence ao Deus feito Menino.
• O cântico dos Anjos é um apelo muito forte a que pela nossa acção pastoral todos os homens recebam de Jesus a paz e a boa vontade.
• A Estrela de Belém é o próprio Jesus que se fez homem e é presença constante em tudo o que fazemos e somos.
Cada um de nós tem mesmo de perguntar-se: qual é o meu lugar no presépio de Belém; como posso relacionar-me com Jesus feito Menino; como posso levar o Menino Deus ao mundo que o Senhor me confiou, à minha família, ao meu lugar de trabalho, à minha relação com os meus amigos, à gente que cruza o meu caminho. Responder a tudo isto com atitudes novas, será mesmo recriar o meu Natal. Santo Natal.
Pe. Vítor Feytor Pinto – Prior