1. A Festa do Corpo de Deus é, desde há muito, um acontecimento de significado extraordinário nas cidades de Portugal. Quem conhece a história do País sabe como tantas vezes a Igreja foi questionada e incompreendida. Com o Marquês de Pombal em 1759, com o “Mata-Frades” em 1834 e com a proclamação da República em 1910, a Igreja foi muitas vezes perseguida, com a pretensão de a pôr à margem da sociedade. Mesmo durante essas grandes crises a Festa do Corpo de Deus continuou sempre a ser celebrada nas ruas das cidades mais importantes. Não se esquece certamente o que foram as procissões do Corpo de Deus em Beja, depois do 25 de Abril. Nas paredes havia ameaças de morte e os cristãos, na procissão do Santíssimo, cantavam com alegria “Viva Jesus Sacramentado, viva Jesus Nosso Senhor”. Os homens nas esplanadas dos cafés tiravam o chapéu e permaneciam de pé a ver passar a procissão. A celebração do Corpo de Deus remonta quase à fundação da nacionalidade. Foi em 1264 que o Papa Urbano IV instituiu esta festa a ser celebrada em toda a Igreja. Em Lisboa, já no século XV, a procissão do Santíssimo era a expressão da fé de toda a população. No século XVII, a procissão do Corpo de Deus percorria todas as ruas da capital com uma solenidade absolutamente invulgar. De tal modo a devoção ao Santíssimo se espalhou por todo o País que é frequente ver nos castelos portugueses e nas casas senhoriais ícones reveladores da devoção ao Santíssimo Sacramento. Eram as Câmaras Municipais que organizavam a procissão do Santíssimo com a maior solenidade. Ao celebrar-se, agora, esta Festa do Corpo de Deus, os cristãos não podem ficar fechados nas igrejas, têm o dever de ir pelas ruas proclamar a sua fé, dizer à cidade que é na força de Jesus Cristo que podem enraizar-se na esperança de um tempo novo, na busca da justiça e da paz. O que significa, então, esta Festa do Corpo de Deus?
. A importância da Eucaristia na vida das comunidades cristãs – é preciso dizer à cidade o porquê do encontro dominical dos cristãos. Ao participarem na Comunhão, os cristãos querem dizer que estão numa Igreja “em saída” para irem ao encontro de todos os homens.
. O envolvimento das pessoas mais gradas da terra – pertencendo às irmandades do Santíssimo, pegando às varas do pálio, incorporando-se na procissão, os cristãos revelam que não têm medo de confessar a sua fé, dão testemunho da sua adesão à Pessoa de Jesus, afirmando a esperança de que só com os seus valores o mundo poderá ser melhor.
. A certeza de que no Santíssimo Sacramento Jesus constitui uma especial protecção para a cidade – como diz o poeta: “Tocam os sinos da torre da igreja. Há rosmaninho e alecrim pelo chão. Na nossa aldeia que Deus a proteja! Vai passando a procissão.” E mais adiante: “Não há na aldeia nada mais bonito que estes passeios de Nosso Senhor”. A beleza do poema de Lopes Ribeiro imortalizado por João Villaret revela com toda a clareza que a procissão do Santíssimo, no Dia do Corpo de Deus, é protecção para a cidade.
. A alegria desta festa ímpar é revelada por todos os artistas – quem não recorda os poemas de Tomás de Aquino, os hinos de Gounod as pinturas de Rafael e de Miguel Ângelo e a criatividade de tantos outros artistas! O SS. Sacramento está, de facto, no coração da humanidade, por isso cantamos nas ruas das nossas cidades.
Lisboa continua a ser uma cidade Eucarística. Por isso se compreende que nas ruas da Baixa, no Dia do Corpo de Deus, o Senhor Jesus ande a bater à porta de quantos aí vivem ou ali trabalham, para garantia de que uma vida melhor pode acontecer, tornando possível vencer as dificuldades.
2. Na solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo a referência fundamental é a Sagrada Eucaristia. Durante vários séculos os cristãos mantiveram alguma distância da comunhão. Sentiam a necessidade de estarem de tal maneira purificados que só comungavam uma vez depois da confissão. Foi o resultado do “Jansenismo”, uma corrente do século XVIII muito centrada no rigor da penitência. Foram precisos anos para vencer esta distância. Pio X, no princípio do século XX, convidou as crianças a comungarem com frequência. Foi o Papa da Eucaristia. Pio XI, o Papa da Acção Católica, convidou os leigos a aproximarem-se com frequência da Sagrada Comunhão. A pouco e pouco, sobretudo no após Concílio, compreendeu-se que a Comunhão é indispensável para uma vida cristã vivida em plenitude. Vem agora o Papa Francisco, na Evangelii Gaudium dizer expressamente que “a Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (EG 47). Vale a pena reflectir sobre esta visão maravilhosa do Papa Francisco.
. A Eucaristia é o maior de todos os Sacramentos. – Por ela, o cristão recebe em si o Corpo e o Sangue de Jesus e por isso tem a verdadeira vida e não morrerá jamais (cf Jo 6).
. A Eucaristia não é um prémio. – Sabendo os cristãos que são pecadores, têm consciência de que nunca são dignos de receber o Senhor. Na própria celebração, perante o convite que lhes é feito para se aproximarem da mesa, eles respondem: “Senhor eu não sou digno que entreis em minha morada”. Apesar disso o Senhor quer que pela Eucaristia todos sejam salvos.
. A Eucaristia é então alimento. – É na Comunhão que o cristão se identifica com Cristo e encontra n’Ele a capacidade de vencer as dificuldades, a força para ultrapassar todas as fraquezas e a alegria para nas mais diversas situações se sentir feliz.
– A Eucaristia é sobretudo um remédio para os mais fracos. – Grande expressão do Papa Francisco. Sendo todos pecadores, precisa-se sempre de um remédio salutar que permita deitar fora o que esteve errado. Só Jesus é a força para ultrapassar os problemas mais difíceis.
Ao reler esta noção de Eucaristia que o Papa Francisco oferece à Igreja, muitos acalentarão a esperança de poder curar-se com este remédio, alimentando-se com esta força que ajuda a ser cristão até ao fim, em todas as circunstâncias.
3. A Eucaristia está no centro da vida da Igreja, está por isso no centro da comunidade paroquial. A Assembleia Dominical reúne-se à volta do pão da Palavra e do pão da Eucaristia. As crianças descobrem a beleza do Corpo de Jesus e celebram em festa a 1ª Comunhão. As famílias vivem os grandes acontecimentos recorrendo sempre aos dois grandes sacramentos, a Reconciliação e a Eucaristia. Os enfermos recebem em casa os visitadores que lhes levam a comunhão como apoio no tempo da doença. Os cristãos, na etapa final da vida, recebem o Viático, que outra coisa não é do que “o pão para o caminho” até à casa do Pai. Todos os grandes acontecimentos da Paróquia se vivem em Eucaristia, em comunhão com Cristo e com os irmãos.
Nesta Festa do Corpo de Deus procure cada um levar Jesus Cristo à cidade, porque não há salvação em nenhum outro senão em Jesus que é o Salvador.
P. Vítor Feytor Pinto
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