1. Comemoram-se ainda, em 2015, os 50 anos da publicação da constituição Gaudium et Spes, último documento do Concílio Vaticano II. Num texto notável, fala-se das relações da Igreja com o Mundo, começando mesmo por dizer que a comunidade cristã acompanha as alegrias e as esperanças, as angústias e os sofrimentos dos homens e mulheres do nosso tempo. Para desenvolver o tema, apresentam-se as coordenadas fundamentais desta forma de estar no mundo. Tanto a Igreja, enquanto tal, como os cristãos na sua responsabilidade temporal, deverão dar especial atenção à defesa e promoção da dignidade humana, à relação estreita entre as pessoas na comunidade de que todos fazem parte, e à actividade humana, o trabalho pelo qual se realiza a pessoa e se transforma o mundo. A segunda parte da constituição do Vaticano II define a responsabilidade dos cristãos na ordem temporal, isto é, na família, na vida económico-social, na cultura, na política e na construção da paz.
Os leigos são actores privilegiados nesta intervenção na ordem temporal. “Pertence-lhes tratar da ordem temporal e orientá-la segundo Deus, para que progrida e, assim, glorifique o Criador e Redentor” (LG 31). Fazem-no “dando testemunho de Cristo em toda a parte, dando sempre razões da esperança que neles habita”.
Perguntar-se-á qual a razão de um estudo tão profundo sobre a relação da Igreja com o mundo contemporâneo? É fácil compreendê-lo, uma vez que a Igreja vive num mundo concreto onde os cristãos têm o dever de intervir. Hoje, há três grandes acontecimentos que marcam a vida de todos os cristãos em Portugal e na Europa: Portugal vive um novo ciclo político e económico, depois das eleições legislativas; em Roma, o Papa, com o colégio sinodal, quer fazer seus os problemas da família e propõe atitudes pastorais que permitam descobrir a riqueza da família cristã; a Europa está a ser invadida por centenas de milhares de pessoas que pedem apoio como refugiados dos países do Médio Oriente. Como é que os cristãos encaram estas situações concretas?
2. Um novo ciclo político na sociedade, em Portugal, implica a atenção dos cristãos e uma intervenção oportuna, ao nível da vida profissional e social de cada um. Um governo minoritário, qualquer que seja a sua “cor”, exige um diálogo permanente. Daqui um apelo constante à justiça, à verdade, à presença de todas as pessoas para um envolvimento estruturado. Nenhum cristão pode estar alheio a este processo. Cada um, a seu jeito, deve participar. O que fazer?
• Estar informado, acompanhando pela comunicação social e por conversas informais tudo o que vai acontecendo.
• Dar prioridade sempre à dignidade da pessoa, pedindo a todos os níveis que se reconheça o sofrimento de muitos cidadãos que vivem dificuldades inadmissíveis.
• Procurar que todos contribuam para o “bem comum” e não para os interesses dos vários grupos políticos e sociais a que se pertence.
• Ter um sentido profundo da tolerância, respeitando as opiniões e as opções de cada um, evitando discussões inúteis e que criam muitas vezes ruturas intransponíveis.
• Manter uma atitude de confiança e de esperança, uma vez que em política tudo se vai estruturando com a intervenção de cada grupo de influência.
Os cristãos não podem ficar-se apenas pela oração. Têm o dever de intervir, à sua medida, na causa pública, para a construção de uma sociedade mais justa e fraternal.
3. A reflexão sobre a família, que está em debate no 14º Sínodo Ordinário dos Bispos, deverá encontrar nas comunidades cristãs a maior abertura, para decisões que podem surpreender alguns. A família de hoje, numa sociedade do provisório, tem inúmeros problemas difíceis de integrar na doutrina da Igreja. O Sínodo, no dizer do Papa Francisco, não é um Parlamento, em que progressistas e conservadores procuram afirmar as suas opiniões. O Sínodo dos Bispos é um tempo de maturação de ideias, no final do qual o Papa, com o sopro do Espírito Santo, assume plenamente as decisões pastorais necessárias. Há no Sínodo uma procura em comum que, sob a luz do Espírito, permite descobrir soluções pastorais mais difíceis na inserção de famílias na comunidade cristã. Tudo vai ser feito nesta reunião magna com o Papa Francisco. Há, porém, coisas que todos os cristãos desejam:
• Que a família cristã seja o modelo de família, garantindo a felicidade do casal, dos seus filhos e de todo o agregado familiar.
• Que todas as famílias, mesmo as dos cristãos recasados, sejam considerados membros activos da Igreja, acompanhados na sua vida espiritual, na educação dos seus filhos e no serviço da caridade em que intervenham.
• Que os jovens casais sejam apoiados na sua decisão sobre a transmissão da vida, no quadro do planeamento familiar e no processo da educação dos filhos.
• Que se descubram formas eficazes de preparação para o Matrimónio, com orientações pedagógicas facilmente aceites pelas novas gerações.
Há uma expectativa enorme, na Igreja e no mundo, sobre a maneira como a família possa ser vista nas comunidades cristãs. Precisa-se de muita oração, para que o Sínodo não se limite a orientações doutrinais, mas que responda também à esperança das famílias em dificuldade.
4. A Cáritas Diocesana do Patriarcado prepara-se para acolher um significativo número de refugiados do Médio Oriente. A tragédia que envolve esses povos, com guerras cheias de violência, provocam a fuga para a Europa. Cerca de 500 mil já chegaram e outros podem vir ainda. Cada país receberá alguns milhares. Também para Portugal virão entre 5 a 10 mil. Acolher os refugiados e os emigrantes, além de ser um dever de cidadania, é também a expressão da mais lídima caridade cristã. A coordenação do acolhimento é feita pela Cáritas Diocesana do Patriarcado, a disponibilidade é de cada cristão e a primeira triagem é feita na comunidade paroquial.
• Há pessoas e instituições que põem à disposição algumas casas devolutas para acolher famílias.
• Há famílias que têm um quarto em que podem apoiar um jovem que vai continuar os estudos.
• Há quem se disponha a recolher alimentos que venham a ser distribuídos pelos mais carenciados.
• Também há professores que podem ensinar a língua portuguesa e outras matérias, nos estudos primários e secundários.
A coordenação de tudo isto e de muitas outras coisas será feita pelo Secretariado da paróquia e pelo Centro Social, dentro das prioridades definidas pela Cáritas Diocesana. É uma questão que reflete a dimensão cristã da partilha.
5. Todos estamos envolvidos na transformação do mundo. Os níveis da intervenção dos cristãos serão na sociedade de hoje um sinal de que a tolerância, a convivência, o diálogo, e a solidariedade são maneira eficaz de melhorar a relação entre os homens.
O que poderá cada um fazer?
Pe. Vítor Feytor Pinto Prior