A URGÊNCIA DO SORRISO – 25 de Outubro de 2015

1.A 21 de Setembro, começou o Outono e, com ele, os céus toldaram-se de nuvens, algumas delas bem negras a anunciar a chuva. As árvores tomaram outras cores, os rios estão a galgar as margens, os ventos sopram com mais força e as ondas alterosas avançam sobre os areais chegando a atingir o casario. É o Outono. As pessoas retomaram as suas atividades profissionais depois de um tempo de férias, as crianças regressaram à escola e os jovens entraram no secundário ou assumiram já os difíceis estudos das universidades. Uma certa ansiedade espalhou-se por toda a gente, por causa dos problemas socioeconómicos e até com uma certa indefinição na construção do governo da cidade. Por tudo isto as pessoas estão a deixar de sorrir. Trocaram os sorrisos por um certo ar de angústia. Ao volante do automóvel, nos autocarros, nas filas de espera, nas consultas dos hospitais ou nos centros de saúde, e em tantas outras situações, as pessoas vivem com o rosto fechado, revelando inúmeras preocupações.

. São os problemas socioeconómicos – a renda da casa por pagar, a água, a luz e o gaz com dívidas acumuladas, a mochila com os livros para a escola dos filhos, os medicamentos que têm de tomar-se e tantas outras coisas são situações que afligem inúmeras famílias.

. São as dificuldades familiares – a tensão acumulada que pode provocar o divórcio, a doença de um filho com prognóstico reservado, o problema de um jovem que ficou dependente do álcool ou da droga, a situação de um idoso que não se sabe como acompanhar, tudo são coisas difíceis de enfrentar.

. São as questões psicológicas e afetivas – por vezes com depressões graves, com um grande sofrimento à mistura: os lutos pela morte de um familiar, o stress provocado pelo trabalho excessivo, o desespero pelo insucesso constante, a solidão pela perda de um amigo ou pela idade avançada, e logo rosto se fecha com dificuldade em comunicar e a impossibilidade do sorrir.

. São as dúvidas de fé ou as experiências negativas de carácter religioso – o mau testemunho de um responsável, a atribuição a Deus de uma situação difícil como a doença ou a morte de um amigo, as situações concretas da vida em sociedade que a Igreja continua a não entender, tudo são razões para perder a serenidade que o sorriso poderia transmitir

São todas estas coisas que dão origem a um rosto fechado, um olhar esquivo, um semblante toldado pela ansiedade e pela angústia. É nesta altura que se compreende o ditado popular sobre a urgência do sorriso: “sorri sempre, ainda que o teu sorriso seja triste, porque mais triste que o teu sorriso triste é a tristeza de não saberes sorrir”.

2. Um sorriso, perante uma pessoa que leva consigo dificuldades aparentemente insolúveis, muitas vezes faz milagres. Foi certamente com um sorriso que Jesus se aproximou de pessoas que viviam situações diferentes. A primeira vez que se viu Jesus sorrir, foi quando acolheu os pequeninos. As crianças tinham sido afastadas com severidade pelos discípulos. Jesus indignou-se e disse: “Deixai vir a mim os pequeninos; se vocês não forem como eles, não entrarão no Reino de Deus”. Depois, sorrindo, abraçou as crianças e abençoou-as (Mc 10, 13-16). Mais tarde um homem perguntou-lhe o que era preciso para entrar no Reino de Deus. Jesus respondeu que bastava cumprir os mandamentos. O homem disse então a Jesus que fazia sempre isso. E Jesus sorriu de alegria. Infelizmente porque era rico, não conseguiu despojar-se e seguir Jesus. Estes sorrisos estão escritos no Evangelho. Mas é possível imaginar outros sorrisos de Jesus.

. O sorriso a Nicodemos quando este o procurou para conhecer a Boa Nova que Jesus anunciava. Foi durante a noite que ficaram a conversar, o que levou Nicodemos a considerá-lo o Messias (cf Jo 3).

. O sorriso à mulher samaritana quando ela começou a entender quem era Jesus: mais do que Messias, o Salvador do Mundo (cf Jo 4).

. O sorriso para o homem da piscina probática que não tinha ninguém que o lançasse à água, dizendo-lhe simplesmente: “levanta-te, pega na tua enxerga e vai para casa” (cf Jo 5).

. O sorriso à multidão que recebeu o pão na montanha e foi saciado. Sorriu também para os discípulos quando, em Cafarnaum, Pedro lhe disse que “só Tu tens palavras de vida eterna” (cf Jo 6).

. O sorriso às mulheres pecadoras, em casa de Simão fariseu (Lc 7, 37) ou na praça pública, onde uma outra mulher iria ser apedrejada. Num e noutro caso, com as suas palavras liberta-as dos juízos acusadores.

. O sorriso, no caminho da dor, quando cruzou os seus olhos com Maria, sua Mãe, ou com a mulher do véu que lhe enxugou o rosto ensanguentado. O sorriso no meio do sofrimento foi um sinal de ternura que será recordado para sempre.

São sorrisos que podem ser imaginados pela leitura dos Evangelhos, porque correspondem a atitudes de misericórdia e de amor que nas mais diversas circunstâncias o Senhor Jesus pôde viver. O seu sorriso era a garantia de um amor sem fronteiras, com a entrega total ao outro que com Ele se cruzava.

3.  O cristão tem todas as razões para saber sorrir. O sorriso não é uma gargalhada, nem o resultado de uma anedota com graça, nem o ruído estridente de uma banda rock, nem as aclamações repetidas dos estádios de futebol ou dos comícios políticos. O sorriso é diferente: é calmo, é acolhedor, é tranquilizante, é o sinal da alegria do coração. Por isso o cristão deve saber sorrir, para integrar o sorriso na dinâmica evangelizadora. O sorriso, como expressão de ternura é indispensável.

. Quando se acolhe uma criança, uma vez que as crianças são a melhor expressão de Deus no mundo;

. Quando se conversa com uma pessoa de idade, muitas vezes em solidão extrema com a sua história, com muitas coisas para contar;

. Quando se vai visitar um doente, pois quem foi surpreendido por uma situação que não esperava, estando em choque, tende a fechar-se e é preciso ajudá-lo a reencontrar-se com a vida;

. Quando se cruza com um pobre que estende a mão e com quem se pode conversar, na esperança de encontrar saídas para as carências e dificuldades que ele revela;

. Quando se encontra alguém que está triste, a quem uma simples palavra, um aperto de mão ou um beijo pode abrir portas para uma vida nova, uma oportunidade diferente, um futuro melhor.

O sorriso sereno e muito amigo é o mote da relação humana dos cristãos. O sorriso faz proximidade, revela acolhimento, gera confiança, abre caminho à esperança e permite um recomeço para aliviar o sofrimento.

4. Na Comunidade Paroquial do Campo Grande muita gente se cruza – na igreja, nas salas, no bar, nos corredores. Que o seu primeiro contacto seja o sorriso acompanhado com palavras de harmonia, de cumplicidade, de colaboração e de paz. Então, mesmo fora do tempo, o Outono converter-se-á em Primavera.                                                                                                                              Pe. Vítor Feytor Pinto   

Comments are closed.