1. Nada mais incorrecto do que chamar ao Dia dos Fiéis Defuntos, 2 de Novembro, Dia de Finados. Finados são, etimologicamente, os que chegam ao fim. Para o cristão, porém, o momento da morte não é um fim, mas o princípio de uma vida nova, celebrada na alegria da casa de Deus. Com razão, Paulo, na sua segunda Carta aos Coríntios, diz que “a vida não acaba, apenas se transforma, e desfeita a tenda do exílio terrestre, se adquire no céu uma habitação eterna” (2 Cor, 5). Com toda a razão, o mesmo Apóstolo Paulo escrevia aos cristãos de Tessalónica, para lhes dizer que “em referência aos defuntos, não fiqueis tristes como os pagãos que não têm esperança” (Ts 4, 13) e acrescentava ainda: “porque Cristo ressuscitou também nós ressuscitamos” (Ts 4, 14). Tendo em consideração tudo isto, facilmente se compreende que o dia 2 de Novembro não é Dia de Finados, é dia em que os cristãos reafirmam a sua fé na ressurreição de Cristo e, através dele, na ressurreição universal a que todos os homens são chamados. Há no Credo, ou Símbolo dos Apóstolos, três expressões que confirmam a nossa fé:
.Creio na comunhão dos santos. É a certeza de que a salvação consiste na plenitude do amor que, na eternidade, será celebrado por todos os que chegaram à casa de Deus. Nesse encontro final com Deus, o Senhor tem um banquete preparado para todos os que O amaram e serviram sem cessar.
.Creio na ressurreição da carne. É a garantia da chegada a uma vida nova que abrange o ser humano na sua totalidade. Não é apenas o corpo que ressuscita, é o homem no seu todo, em que a carne é a forma visível do ser. A ressurreição refere-se à plenitude do ser que vai participar, por toda a eternidade, da comunhão plena com o Pai, por Cristo, na força do Espírito Santo.
.Creio na vida eterna. É a certeza de que no momento da morte termina o tempo e surge a vida sem limite, a alegria sem ocaso, a felicidade sem sombras, a participação de Deus para sempre. Se a vida terrena está marcada por indiscutível limite, a vida eterna já não tem fronteiras; por ela, o ser humano entra na comunhão definitiva com Deus.
O dia dos fiéis defuntos é, então, um dia em que se celebra a fidelidade daqueles que, ao longo da vida, se identificaram com o projecto de Deus e quiseram vivê-lo com entrega total. Resta ao cristão agradecer a Deus o dom da vida e, passada a morte, entrar com alegria no encontro com Deus para sempre.
2. No mesmo ciclo festivo, a par do Dia de Fiéis Defuntos, a Igreja celebra também o Dia de Todos os Santos. Nas Cartas do Apóstolo Paulo é frequente ver dedicatórias com esta expressão: “aos santos de Éfeso, aos santos de Corinto”. Santos eram os cristãos. De facto, é preciso ter consciência de que todos são chamados à santidade e que a “santidade consiste na plena e perfeita comunhão com Cristo”. Perguntar-se-á, então, quem são os santos.
.Os santos canonizados são cristãos que se uniram profundamente à pessoa de Jesus, ao longo de toda a vida, realizaram acções extraordinárias, reconhecidas por todos os seus contemporâneos. Foram avaliados com muita “ternura” pela Congregação da Causa dos Santos e, finalmente, reconhecidas as suas “virtudes heroicas”, foram proclamados santos.
.Os santos desconhecidos são inúmeros cristãos que foram fiéis à pessoa de Jesus Cristo e seguiram o seu Evangelho, praticaram discretamente boas obras e passaram pela terra fazendo o bem. Viveram no silêncio da sua fé e, no mesmo escondimento, chegaram à casa de Deus. Estão junto de Deus e, por isso, serão santos mas, tirando as pessoas mais próximas, ninguém mais deu por eles. Estarão certamente com Deus por toda a eternidade.
.Os santos que ainda vivem na terra são as pessoas simples que procuram ser cristãs com a maior generosidade, não fazem alarido da sua fé, limitando-se a praticar o bem sem condições. Há tanta gente boa assim, a iluminar a vida de muitos outros com a sua presença, a sua boa vontade, o seu bem-fazer. Quando morrerem, ninguém vai dar conta, além dos mais próximos, mas entram na comunhão total com Deus, vivendo-a com alegria, por toda a eternidade.
O Dia de Todos os Santos contempla solenemente os santos desconhecidos. Entre estes, podem estar os nossos pais e mães, sobretudo amigos que nos ajudaram a crescer na fé, e tantos que estiveram connosco quando as dificuldades bateram à porta. O Dia de Todos os Santos é o dia dos nossos amigos mais íntimos, a quem conhecemos nos seus valores e de quem não sabemos dizer muito porque, na sua simplicidade, procuraram sempre amar a Deus e aos irmãos.
3. É um privilégio, para os cristãos, poderem viver estes dias de festa recordando os que já não estão connosco, mas por quem rezamos ou a quem rezamos. A oração tem, nesta situação concreta, duas vertentes. Rezamos para que, purificados, entrem na plenitude de Deus. Rezamos também para que, se já se encontram com Deus, intercedam por nós. Como viver, então estas duas vertentes:
.São dias de saudade em que recordamos os nossos mais próximos que já partiram ao encontro de Deus. Lembramos as pessoas, os seus ideais, a sua história, as grandes lições de vida que nos deixaram.
.São dias de acção de graça por tantos “santos” que passaram pela nossa vida. Houve pessoas que foram uma luz no nosso caminho. Pessoas que nos acolheram, nos acompanharam, nos orientaram e foram solidárias connosco. Recordá-las, alimentando a esperança de que já estão no céu, é uma experiência de grande riqueza espiritual, razão de acção de graças e fonte de alegria.
.São dias de súplica pelos que nos deixaram e, eventualmente, podem ainda estar no tempo de purificação. A oração, a aplicação de indulgências e as obras de caridade, com partilha generosa, são as melhores formas de garantirmos a intercessão reparadora pelos que partiram.
A saudade, a acção de graças e a súplica reparadora são os “ingredientes” para a nossa comunhão total com todos os que viveram connosco e queremos recordar sempre.
4. Na Comunidade Paroquial do Campo Grande vamos viver com a maior alegria, os dias de Todos os Santos e dos Fiéis Defuntos. Estes dias de Novembro, desde a mais antiga tradição, são tempo de oração e, mesmo, da mais profunda intimidade com os que nos precederam na fé e já venceram os umbrais da morte. Os cristãos têm o privilégio de acreditar na vida que nem a morte pode destruir. Por isso, este tempo é oportunidade única para afirmar o amor que nem a morte ensombra.
Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior