CELEBRAR A PAZ – 3 de Janeiro de 2016

1. Desde 1968 que a Igreja, no primeiro dia de cada ano, convida todos os homens a celebrar a paz. Foi Paulo VI, depois do Concílio Vaticano II, que instituiu o Dia Mundial da Paz. O apelo do Papa não se destina apenas aos cristãos, mas a todos os Papas escolheram temas extraordinários para cada ano. Recordo alguns: “Todo o homem é meu irmão”; “O novo nome da paz é desenvolvimento”; “A justiça é caminho para a paz”. No ano passado o Papa Francisco escolheu um slogan muito exigente: “Já não escravos, mas irmãos”. De facto, vive-se num mundo de escravidões: escravos do poder, do dinheiro, dos interesses egoístas, das ideologias, dos líderes. O Papa Francisco fazia, então, apelo à fraternidade verdadeira. Uma coisa, no entanto, é certa: é a de que a fonte da escravidão são as indiferenças. Por isso o tema de 2016 é este: “VENCE A INDIFERENÇA E CONQUISTA A PAZ”.

. O Papa começa por dizer que “Deus não é indiferente: importa-lhe a humanidade.” Também os homens, à semelhança de Deus, não podem ser indiferentes perante os grandes problemas da humanidade, as suas alegrias e esperanças, as suas dificuldades e angústias. 

. Depois o Papa fala da esperança. Quando se vence a indiferença, a humanidade inteira fica à espera dos sorrisos e da bondade, da ternura e da misericórdia. Se somos salvos pela esperança, como diz Bento XVI, sem dúvida que é possível acreditar que as indiferenças serão vencidas. Só vencendo-as nas relações humanas a paz se torna possível. 

. A terminar, a mensagem de Francisco fala da misericórdia. É um problema de cultura, com uma sensibilidade universal para a reconciliação, a solidariedade e a ternura. É com palavras e gestos de misericórdia que a paz se constrói.

Havendo na sociedade de hoje uma “indiferença integral” como o Papa diz, uma indiferença generalizada, até como defesa pessoal num mundo em crise, o tema do Dia Mundial da Paz é da maior oportunidade. Vai exigir um grande esforço de cada um, mas faz-se o anúncio claro de que o mundo será novo e melhor.

2. As indiferenças instalaram-se na relação entre as pessoas. Se nas aldeias ainda se mantêm relações de proximidade, no meio urbano as pessoas passam umas pelas outras sem se darem conta. Mais do que isso, evitam-se. É a solidão no meio das multidões. Para superar este deserto, o Papa enfrenta a realidade referindo algumas formas de indiferença. 

. A indiferença para com Deus. Vive-se hoje um falso humanismo e um materialismo prático que, afirmando o homem, esquecem a sua origem e a sua referência fundamental que não pode ser outra senão Deus. 

.  A indiferença para com o próximo. Conhecendo os problemas humanos, passa-se ao lado deles sem a menor preocupação de encontrar uma saída para o drama de tantos. 

. A indiferença perante os grandes acontecimentos do mundo que comprometem a vida e o bem-estar das pessoas. Tem-se uma informação detalhada sobre as catástrofes, os acidentes, a deslocação de pessoas, as violências e as guerras, mas isso não chega a alterar o estilo de vida de cada um.

. Indiferenças perante a casa comum de que fazemos parte. As doenças, as epidemias, as crises económico-sociais, a alteração do clima, a falta de água, a fome generalizada de algumas regiões do planeta azul, tudo tem interesse apenas quando nos afecta e altera o nosso caminho.

Nestes e noutros casos, a indiferença provoca egoísmos e desinteresses que acabam por contribuir para a falta de paz, com Deus, com o próximo e com toda a Criação.

3. Apesar de tudo vale a pena procurar razões de esperança. É possível vencer esta indiferença generalizada. É razão de esperança, a capacidade que o homem tem de, com a graça de Deus, superar o mal. Também o é a capacidade de a humanidade se abrir à solidariedade em situações concretas de sofrimento. É também razão de esperança o diálogo que está a conseguir-se entre os líderes das nações, uma aproximação verdadeiramente nova. É ainda razão de esperança a forma como o mundo aceita as propostas da Igreja para um tempo melhor. No Vaticano II, nos sínodos, nas encíclicas, nas exortações, nos jubileus, os Papas desafiam o mundo para se tornar mais próximo de Deus. A maior razão de esperança está, porém, na misericórdia de Deus para com a humanidade e na maneira como os humanos se abrem à misericórdia, com gestos de caridade fraterna. A misericórdia é o coração de Deus. Por isso, deve ser também o coração de todos aqueles que se reconhecem membros da grande família dos seus filhos. O amor aos outros é a única medida que Deus tem para julgar as nossas acções. É então urgente: 

. Fomentar uma cultura de solidariedade e de misericórdia: ser solidário implica fazer seu o problema do outro e tentar aliviar todo o sofrimento que o envolve. 

. Construir uma paz que é feita de uma cultura de solidariedade, misericórdia e compaixão: a paz é muito mais do que o silêncio das armas ou a tranquilidade na ordem, como dizia Tomás de Aquino. A paz verdadeira nasce da mudança de cada um no seu coração. As nações e os povos também podem ter um coração de reconciliação e de paz. 

. A paz deverá ser vivida por todos, segundo o espírito do Jubileu da Misericórdia: a misericórdia pede a capacidade de amar até ao perdão dos inimigos, e, mesmo, até à reconciliação entre todas as pessoas, na família, no trabalho, na vida social.

Vencendo a indiferença, com a misericórdia e a compaixão, a paz torna-se possível na conversão de cada um à relação com o outro, imitando o amor e a ternura de Deus.

4. Com os votos muito amigos de um Ano Novo cheio das muitas graças de Deus, a Comunidade Paroquial do Campo Grande terá, certamente, capacidade para vencer as indiferenças e construir em todas as situações a misericórdia que conduz à paz. Que 2016 seja verdadeiramente um Ano Santo, um Ano Jubilar.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior

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