1. O mundo actual poderia ser chamado “sociedade do barulho”. De facto, sobretudo nas grandes cidades, o ruído é ensurdecedor. O trânsito nas ruas, a vozearia nos cafés e restaurantes, o atropelo das palavras nos autocarros ou nas filas de espera em qualquer repartição, tudo traz à cidade um barulho constante. Quando se entra em casa, mais tarde, logo se liga a televisão e a rádio, diz-se para ter companhia. Os noticiários e os outros programas exigem sempre o contraditório que é o sinónimo de uma discussão que não termina mais. É claro que já se não fala das discotecas ou das festas populares, porque aí, então, o volume das vozes abafa qualquer conversa. É a “sociedade do barulho” em que o ruído parece indispensável.
2. Em férias, não seria possível criar tempos de silêncio? Talvez fosse uma oportunidade para acalmar os sentidos e, sobretudo, para renovar o espírito. Alguns momentos de silêncio, ao longo dos dias, são um tónico para a saúde física, mas são-no sobretudo para a saúde mental ou, porque não dizê-lo, para o equilíbrio espiritual da pessoa humana. Passa-se a vida a correr de um lado para o outro, a multiplicar conversas de negócios ou de entretém, a ouvir recomendações e conselhos quando não gritos e insultos. Nesta vida agitada de um ano é urgente parar, respirar fundo, fazer silêncio, para ter a serenidade indispensável à harmonia e ao equilíbrio que fazem saudável o ser humano. Este silêncio tem inúmeras dimensões. É no conjunto delas que o silêncio se torna indispensável.
· Só no silêncio se dão asas à recordação. Trazer à memória todo um passado de que se tem saudades é um exercício que no silêncio se consegue. Pessoas e acontecimentos passam pelo coração e recriam a vida.
· Só no silêncio se aprofunda a fé. O encontro coma pessoa de Jesus, na fé cristã, exige percorrer os seus caminhos, ouvir de novo as suas palavras, entender os seus gestos. Tudo isto só é possível quando o ruído, à volta, se cala.
· Só no silêncio é possível a contemplação e o êxtase. O nascer e o pôr do sol, a quebra das ondas junto à praia, a brisa da tarde nas florestas, o sorriso das crianças e a beleza das flores, tudo reclama a paz interior que sem o silêncio não se consegue.
· Só no silêncio se pode fazer investigação científica ou produção literária. Criar acontecimentos úteis à humanidade, descobrir fórmulas que concretizem esperanças, escrever contos e poemas que recheiam o espírito e tantas outras coisas que são inovação, tudo nasce no silêncio que se abriu ao que era novo.
· Só no silêncio pode viver-se em intimidade com Deus. Com razão, o Evangelho de Mateus refere que é preciso cada um fechar-se no seu quarto e, ali, a sós com Deus, falar com Ele como um amigo fala a seu amigo. Esta experiência vital de Deus não admite o barulho, pede um silêncio sempre maior.
· Só no silêncio o amor se revela. Depois de muito terem conversado, aqueles que se amam de verdade, caminham de mãos dadas sem nada precisarem de dizer. O silêncio é a consagração do amor.
Na sociedade do ruído, descobrir o silêncio é um desafio de maior importância. E o que é pena é que a maior parte das pessoas ainda não o entenderam.
3. O silêncio das palavras abre a porta à linguagem dos gestos Durante as férias, pode ser original programar tempos de silêncio. Alguns fazem-no durante alguns dias, num retiro espiritual ou cultural; outros consagram um dia por semana para se isolarem, passeando sozinhos na montanha ou à beira-mar; outros ainda reservam meia hora diária para “desintoxicar” do ruído de um dia em que continuam a estar no meio do barulho da família ou do grupo de amigos. Estes tempos de silêncio são essenciais, no tempo de férias. As férias são dias únicos para dar tempo em silêncio àquilo que quase se não faz durante o ano:
· Dar tempo à poesia: ler os poetas e entender as suas mensagens, tantas vezes fundamentais para construir mundos novos;
· Dar tempo às artes: parar diante de um quadro, de autor preferido e tentar entender a sua linguagem; na pintura, na escultura, nas artes plásticas há sempre segredos a descobrir;
· Dar tempo à ternura: acompanhar o silêncio de um velho, com tantas histórias de vida, ou admirar a paz de uma criança no silêncio do berço, ou deixar a saudade invadir o coração;
· Dar tempo à oração: criar espaços de silêncio para fazer a experiência vital de Deus que constantemente interpela para uma felicidade diferente, a alegria dos seus dons;
O silêncio das palavras não é o silêncio do coração. Sem ruído, o coração fala mais alto e sentem-se mais os desafios da realização e da esperança.
4. Porquê falar do silêncio neste tempo de férias? Calar as vozes que inquietam, calar as vozes que magoam, calar as vozes que dispersam, é um exercício magnífico para o tempo que todos os anos se repete no Verão. Porque as férias são necessárias perante o trabalho que a todos espera no ano que começa em Setembro, o silêncio é agora muito importante.
· Para descansar dos inúmeros ruídos que a todos envolveram meses a fio e que impediram algum melhor acerto nas decisões;
· Para sonhar novos ideais que vão dar mais beleza ao cansaço de cada dia, com projectos inovadores que respondam ao anúncio da Boa Nova e ao serviço da caridade;
· Para dialogar com Deus na oração que cada um procurará ter, com mais intimidade e com a criatividade necessária para a plena e perfeita identificação com Cristo que nos conduz à santidade.
Aproveitemos as férias para fazer silêncio, a fim de que possamos depois conversar com os outros, a partir de um coração novo, um coração que sabe amar.
4 de Julho de 2010 – O Prior- Monsenhor Vítor Feytor Pinto