1. No primeiro domingo depois do Pentecostes, a Igreja celebra a Festa da Santíssima Trindade. Há uma diferença profunda entre os deuses pagãos, gregos ou romanos, e o Deus único, referência fundamental para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. O Deus dos cristãos tem, porém, uma particularidade: é um Deus uno e trino, é um só Deus em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. O mistério da SS. Trindade é o resultado de um Deus em comunicação permanente: o Pai que gera o Filho e que ama o Filho, sendo amado por Ele no dinamismo da relação que é o Espírito Santo. Entre as três pessoas da SS. Trindade há uma comunicação constante, uma vez que o Filho procede do Pai, e o Espírito Santo procede da relação de amor que há entre o Pai e o Filho. Depois, a comunicação não se esgota, uma vez que de Deus procede à Criação, à Redenção e à Santificação da humanidade. É neste contexto que se compreende que o nosso Deus é um Deus vivo e que dá a vida, fazendo depois a humanidade inteira participante dessa mesma vida. Pela revelação no Antigo e no Novo Testamento compreende-se:
. que o Deus dos cristãos é um Deus diferente, é um Deus que comunica, que se aproxima, é cheio de misericórdia, acolhe, perdoa e ama sem medida;
. que é um Deus Criador, que fez o ser humano à sua imagem e semelhança, também capaz de comunicar, ser próximo e amar;
. que é um Deus Redentor, que é lento para a ira e rico em misericórdia, que enviou o seu Filho ao mundo, não para o condenar, mas para que o mundo seja salvo;
. que é um Deus Santificador, que envia o Espírito Santo para que todo o homem seja santo como Ele é santo, e torne santas todas as coisas.
É a SS. Trindade no seu todo que realiza a obra da Criação, da Redenção e da Santificação. É perante a beleza de Deus, em comunicação constante no seu íntimo e na sua relação com a humanidade que os cristãos devem aprender a comunicar sempre numa dinâmica de verdade, de justiça, de liberdade e de amor. Os cristãos não se isolam, participam no projecto de Deus, os cristãos relacionam-se.
2. Na recente mensagem que o Papa Francisco enviou ao Conselho Pontifício para a comunicação social, a propósito do Dia Mundial da Comunicação Social, ao seu jeito Francisco faz um desafio a todos aqueles que têm como projecto “comunicar”. O tema escolhido para a mensagem foi este: “Comunicação e misericórdia, para uma nova humanidade”. De facto, a misericórdia é maravilhosa forma de comunicação. Pela misericórdia a pessoa humana vai ao encontro do outro para se revelar como ser social, que tem no outro a normal complementaridade. O ser humano é alguém que acolhe e compreende o outro na sua diversidade, que perdoa e se reconcilia depois das normais crises nas relações humanas, que constrói a paz e a harmonia dentro da sua comunidade. Se esta perspectiva é muito importante para os agentes da comunicação social, é-o também para qualquer cristão ou, até, para qualquer pessoa que vive em comunidade. A comunidade exige a comunicação constante. Talvez por isso, o Papa Francisco insista em alguns parâmetros na comunicação.
. Comunicar é pôr em comum. Partilhar com os outros as próprias experiências, pedir apoio nas dificuldades e congratular-se com os sucessos são formas ideais de estar com os outros e fazer suas as alegrias e as esperanças dos mais próximos.
. Comunicar é pôr o coração ao serviço do outro, preocupar-se com o outro, estar disponível para ele, fazer-se próximo, sempre. Já Saint-Exupéry dizia que “só se vê bem com o coração e é o tempo que se perde com o outro que torna o outro tão importante” (cf. O Principezinho). A comunicação é ainda mais bela quando se vê o outro com o coração de Deus.
. Comunicar é exprimir a misericórdia, quando se ama até dar a vida pelo outro, quando se serve com alegria a todos, sejam eles quem forem, quando se perdoa sem condições, qualquer que tenha sido a ofensa recebida. Esta é uma comunicação redentora.
. Comunicar é condição para a construção da paz. As tensões enfrentam-se muitas vezes ou com a violência ou com o silêncio. A paz, ao contrário, constrói-se pela comunicação simples, serena, corajosa, e repassada de humildade. Mas, sem comunicar, a paz é mesmo impossível.
. Comunicar, no dizer do Papa Francisco, tem formas expressivas: acolher, escutar, curar. Há imensa gente que vive na solidão. Este é o maior flagelo para os mais pobres, os mais velhos, os que vivem grandes sofrimentos. A solidão vence-se pela comunicação espontânea ou pela solidariedade organizada. Neste encontro, a escuta é mais importante que as palavras. A comunicação oportuna e generosa será capaz até de curar as feridas que a vida possa ter provocado.
Se a vida humana é comunicação permanente, o cristão tem o dever de valorizar esta característica do ser humano, fazendo-se próximo, sobretudo daqueles que mais precisam de um gesto, uma palavra, um apoio eficaz. O cristão sabe que “todo o homem é seu irmão”. Esta relação de fraternidade constitui uma forma privilegiada da realização da pessoa em comunidade.
3. Na Igreja, experimenta-se constantemente a arte de comunicar. As três dimensões da Igreja são a profecia, a liturgia e a socio-caridade. A profecia pede a palavra como forma original de comunicar. A liturgia tem nos gestos a maneira mais bela de comunicar. A sociocaridade tem na partilha fraterna a forma eminente da comunicação. Esta comunicação, porém, está organizada, em cada comunidade paroquial. Podem exemplificar-se as inúmeras maneiras de comunicar:
. A homilia – a experiência espiritual do sacerdote transmite o que a Palavra de Deus lhe disse e que pode ser da maior riqueza para o Povo de Deus que com ele está a celebrar.
. A catequese nas diversas idades – o caminho catecumenal está estruturado na comunicação que a catequese proporciona em ordem à iniciação ou reiniciação da vida cristã. Só assim os cristãos se valorizam no seu encontro com Deus e na solidariedade com os mais pobres.
. Os grupos de adolescentes e de jovens – são espaços de encontro e de convívio onde a relação se enquadra na experiência comunitária através de uma comunicação organizada. Por ela se promove o desenvolvimento dos mais novos, no humanismo cristão, na fé consciente e responsável.
. A Eucaristia e os Sacramentos – são momentos positivos de encontro numa espiritualidade intensa. Para além da Palavra partilhada a Fracção do Pão e a Reconciliação, proporcionam tempos de comunicação extraordinária: a comunicação com Deus, cheio de misericórdia, e o serviço aos outros, com o coração misericordioso como o do Pai.
. Toda a acção social, como expressão de amor – A verdadeira caridade exige comunicar com os pobres, com os que mais sofrem, com os que pela idade ou doença estão na solidão. Ir ao seu encontro, comunicar com estes é reconhecer claramente que Jesus está presente no mais pequenino dos irmãos (cf Mt. 25, 40).
Para além de tudo isto, o cristão vive a comunicação constante na família, no trabalho, nos grupos sociais. É ali que dá testemunho de Cristo, acolhendo, compreendendo, privilegiando os pobres e vivendo em comunhão de destino com a comunidade de que faz parte.
4. A Igreja, diz o Concílio, é perita em humanidade. Por isso, o cristão é um comunicador nato que na sua relação com todos os outros, relacionando-se, dá testemunho de amor.
Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior