1. Numa sociedade com enormes tensões, em que se multiplicam as crises económicas e sociais, acontece com frequência que as pessoas, sobretudo as mais frágeis, vão ficando esquecidas e caem para o último lugar. Sejam governos de direita ou de esquerda, preocupados com a austeridade ou com a procura do estado social, todos olham para os mais pobres, mas têm dificuldade em resolver, com eficácia, os seus problemas. Então, a organização da sociedade procura resolver as situações com macroestruturas, planos e programas assertivos, financiamentos para empresas que geram alguns empregos, mas as pessoas continuam a ficar à margem do caminho. Os sem-abrigo, os desempregados, os trabalhadores com salário mínimo, as famílias de pouquíssimos rendimentos, são muitos dos que ficam esquecidos do sistema, por muito que se fale de causas sociais e dos projectos que demoram a chegar-lhes. Um destes dias, um responsável da luta contra a pobreza dizia ser impossível resolver com eficácia os inúmeros problemas dos mais pobres. Será que Jesus Cristo tinha razão, quando disse “Pobres, tê-los-eis sempre convosco” (Jo 12) a Judas Iscariotes? De facto, as pessoas, sobretudo as carenciadas, em todos os governos, ficam sempre em último lugar.
. Nos conflitos internacionais, multiplicam-se o recrutamento e a mobilização de jovens, nas frentes de guerra. Estes jovens são pessoas, que se limitam a obedecer e vêem o seu futuro cortado, no seu início. Nas decisões, eles estão em último lugar.
. Nas tensões em todas as estruturas do poder, os mais pobres ficam sempre para o fim. As grandes decisões vão ao encontro da economia global e deixam, sempre para trás, aqueles a quem falta qualquer tipo de influência social.
. Nas questões de família, tantas e tantas vezes os cônjuges pretendem resolver os seus problemas e esquecem-se que os mais frágeis são os mais pequenos, os filhos que deles dependem. Multiplicam-se os divórcios porque cada um tem direito ao amor conforme lhe apraz, mas os frutos do primeiro amor são pessoas esquecidas, que até perdem a casa e com ela a identidade.
. Na organização social, aparecem projectos do maior interesse, escrevem-se relatórios com estatísticas impressionantes, estudam-se casos que parece serem modelo, mas tantas vezes as pessoas, envolvidas nestes cenários, dificilmente vêem resolvidos os seus problemas. Antes da resposta chegar a quem sofre, a pessoa em crise já desesperou por não encontrar resposta para as suas carências.
. Nas grandes empresas, a estrutura é impressionante, parece que tudo está no seu lugar. Há tarefas para todos, porém, por contradição, os trabalhadores não progridem na carreira, não vêem actualizado o seu ordenado, nem têm respostas sociais nas suas crises. Tudo isto acontece porque, também na empresa, o trabalhador está no último lugar.
Esta análise, que pretende avaliar as grandes transformações sociais, depara com esta realidade impressionante: as pessoas mais pobres, mais carenciadas, com maior idade, não conseguem descobrir o sentido da própria vida. Pouco mais são do que máquinas de produção, a quem se pede o lucro para a empresa, sem a participação efectiva a que teriam direito. A trilogia recomendada pela Igreja, na Gaudium et Spes, fica muito longe da transformação da sociedade: não se assegura a todos a sua dignidade; não se garante a cada um a actividade produtiva para si próprio e para o grupo onde trabalha; não se proporciona a entrada numa comunidade participada, onde todos têm uma palavra a dizer e uma tarefa a cumprir para o bem-comum.
2. Para ir ao encontro de todas as pessoas e dar-lhes total prioridade na organização social, é preciso conhecer quem é o ser humano e que tipo de valores se lhe deve atribuir. É certo que a pessoa humana, quem quer que seja, é um complexo bio, psico, social, cultural, espiritual e até sobrenatural. Tem, porém, características próprias, que é preciso apoiar até à sua realização em plenitude.
. A pessoa humana é um ser em projecto: vivendo num projecto descritivo, sonha com um projecto utópico, que irá realizar através de um projecto intermediário. Se não se respeita esta grande dimensão do ser humano, cada pessoa, mais humilde ou mais nobre, vive sempre longe da própria realização.
. A pessoa humana é decididora: mantém constantemente a liberdade que lhe permite dizer sim ou não, depois do necessário discernimento. É pela liberdade que se tem capacidade de escolha. A autonomia assim adquirida, porém, não lhe permite contrariar o bem-comum e desprezar os direitos humanos que, certamente, não deixa nunca de afirmar.
. A pessoa humana é também simbolizadora: de facto, comunica através de símbolos, entre os quais sobressaem o olhar, a palavra, o gesto, o sorriso, a expressão, tudo elementos que urge interpretar, para viver correctamente as relações humanas.
. A pessoa humana está em constante crescimento: uma certa insatisfação provoca o ser humano, obrigando-o a perguntar-se o que tem de fazer para atingir objectivos sempre mais nobres. A insatisfação, característica indiscutível do ser humano, é o caminho dinâmico do crescimento. Curiosamente, no entanto, sempre que alcança os objectivos, logo os relativiza para poder chegar mais longe.
. A pessoa humana vive em constante relação: a característica mais nobre do ser humano é, certamente, a sua dimensão social. É por isso que constrói amizade e muitas vezes não consegue vencer dissensões. Pela inteligência, pela vontade e pela sua sensibilidade, a pessoa humana relaciona-se com todos e assume a responsabilidade de contribuir, sempre, para a casa comum.
. A pessoa humana, finalmente, é também um ser com necessidades: as necessidades físicas ou afectivas, materiais ou espirituais, imediatas ou a longo prazo, constituem um desafio à sociedade, para a cada uma delas se encontrar resposta em tempo oportuno.
É à pessoa humana que tem estas características que se deverá dar prioridade em todas as situações da vida. O risco do tempo presente está em deixar a pessoa humana de lado, perante as exigências da economia, os interesses da democracia, a importância do dinheiro, a afirmação pessoal dos mais “espertos”, ou a indiferença de quantos tiveram a sorte de nascer e crescer em “berços de ouro”. O desafio do cristão está em tratar cada pessoa humana segundo o novo mandamento do amor: amar o outro como Cristo nos amou, dando a vida por ele.
3. Perante uma sociedade que se caracteriza pelo provisório, pelo mais fácil, por um certo egoísmo colectivo, o Papa Francisco tem desafiado os cristãos à proximidade, sobretudo dos mais pobres e dos que mais sofrem. Sinal disso são muitos dos gestos que ele faz e que constituem um “grito de alerta” não apenas para os cristãos, mas para o mundo inteiro. A visita do Papa a Lampedusa, ou a Lesbos, revela-nos um Papa próximo dos refugiados e dos migrantes. O seu encontro com o patriarca Kirill, em Cuba, mostra-nos um Papa em diálogo com todas as religiões, para a responsabilidade comum na afirmação do bem, uma urgência na cidade. A sua presença no meio da Praça de S. Pedro, sentado numa cadeira, a acolher adolescentes e jovens que vieram a ele para celebrar o sacramento da Reconciliação, indica aos cristãos que este Papa não se fecha nas soluções tradicionais e é capaz de significar, com toda a clareza, que o Sacramento da Reconciliação não é uma câmara de tortura, mas sim um lugar onde se manifesta a misericórdia e a ternura de Deus. Para o Papa Francisco, toda a pessoa lhe está próxima e ele quer dar o seu contributo para a solução dos problemas materiais ou espirituais, que fazem sofrer cada um. Perante o testemunho de um Papa assim, a cada cristão é forçoso:
. Fazer-se próximo de toda a pessoa, mas sobretudo dos mais pobres e dos que mais sofrem.
. Renovar a maneira de ser Igreja, saindo ao encontro das pessoas especialmente daquelas que não têm ninguém.
. Cantar um hino à natureza, tornando cada versículo um grito de ternura para tantas e tantas pessoas que estão à espera de Deus.
Este Papa é muito fácil de imitar nos inúmeros gestos que ele revela ao mundo. Mas este Papa Francisco é também muito difícil de imitar, na verdade que cada uma das suas atitudes comporta
4. Que na Paróquia do Campo Grande, as pessoas, sobretudo as mais humildes, tenham para cada um o primeiro lugar.
Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior